Há dias escrevi uma carta a uns pais que tinham perdido uma filha; um destes dias escreverei um texto sobre o que é perder um filho. Escrevo sempre sobre um bocadinho do que é perder um filho, porque não há vocabulário que chegue para falar na dor, não há sabedoria que chegue para abarcar a diversidade de sentimentos - e a forma como cada um vive e gere esses sentimentos.
Lembrar-te hoje (e talvez hoje não seja uma expressão vaga, mas uma realidade concreta no tempo) é lembrar a fragilidade da vida, a nossa incapacidade de controlar o que quer que seja. Lembrar-te hoje é lembrar que não somos donos de nada, a não ser de sonhos, desejos, vontades, esperanças. O resto - e o resto é tudo, no fundo - está no domínio do imponderável, da surpresa, do golpe que pode ser de asa ou do destino, que são as duas faces da mesma moeda.
O teu nascimento é um momento no tempo. A tua existência começou antes, muito antes de sabermos os planos de Deus (ou a companhia que Deus faz aos planos do Acaso) e acaba no minuto em que todos nos juntarmos na eternidade. Acima de tudo, hoje, e muito hoje, és o cimento que une uma comunidade de pessoas que passaram perto de ti, que fazem parte da vida de pessoas que fizeram parte da tua vida. A vida não se substitui; não construímos projectos em cima de destroços ou de naufrágios. Acrescentamos pessoas, experiências, relações e realidades. Somos uma existência em movimento que, no seu caminho, agrega seres humanos que constroem uma malha grande e diversa. No fulcro de tudo estás tu, à volta de quem tudo gravita: os que te conheceram, os que vieram a conhecer os que te conheceram; os que te amaram, os que vieram a amar os que te amaram.
Hoje, vinte e cinco anos depois de teres nascido, é altura de pensarmos nessa malha, nessa extensão humana com um fio condutor. É altura de nos recordarmos que não somos donos de nada, a não ser de uma vontade de sermos melhores. Tudo o resto - esse resto que é tudo - não se alcança com uma mão, faz parte dos desígnios de uma vida que nem sempre é justa. Hoje é dia de lembrarmos, contigo no pensamento e no coração, aqueles que passam por momentos difíceis: os que te conheceram e os que conheceram quem te conheceu, e que sabem de ti pelas histórias, pelas memórias, por uma dor mansa que viverá connosco até que tudo se apague e nos encontremos junto do Deus que não é senão amor.
Reza por nós, e por aqueles que de nós passam tempos menos fagueiros.
Na sua bondade sem fim
Quis Deus olhar para mim
Dar-me um pouco do que é seu
Deu-me uma estrela pequena
A quem chamou Madalena
Que é uma das santas do Céu
J (em nome de todos os que te lembram)
Neste blog tenho duas datas guardadas: 6 de Julho a 4 de Novembro.
ResponderEliminarGostaria de vos fazer chegar umas palavras, umas ideias. Por esta ocasião.
Não tenho conseguido. Temer magoar? Incapacidade? Pudor? Não sei. Deserto de ideias.
Sei que me lembro.
Que me perdoe.
Abraço,
do oliveira
Caro Oliveira (soa-me demasiado familiar, falta-me um nome próprio, talvez seja E.),
ResponderEliminarObrigado pelo seu simpático comentário, que só por si já é o princípio de uma ideia ou de umas palavras. Se há mais ninguém sabe. Fiemo-nos no Eclesiastes, que falava no tempo que há para tudo. Vá aparecendo. Por aqui ou pelo outro caminho que já se desbravou.
JdB
Como deixar isto sem comentário? Mas comentar o que? Quando se fala com alguém, cara a cara, olhos nos olhos, deste tipo de acontecimentos (aqueles que, inesperadamente ou não, num dia, num instante, mudam para todo e sempre as nossas vidas) é possível ficar em silêncio e, nesse silêncio, expressar um universo de coisas, e talvez muito mais do que se poderia dizer em palavras. Mas, online...?
ResponderEliminarFicam estas linhas num ecrã, cheias de um silêncio cheio de mil palavras
V
Caro V,
ResponderEliminarObrigado pelas linhas, que ficaram muito bem no meu ecrã. Há palavras que nada dizem, há silêncios que tudo expressam. Mas o seu contrário também é verdade. O online chega, quando o que desejaríamos não é, por um motivo qualquer, possível.
Volte sempre.
JdB