30 setembro 2019

Das irmandades que não se conhecem

Fui sábado de manhã à missa de corpo presente da mãe de uma amiga. A igreja estava cheia - algumas pessoas conhecia, outras nem tanto. A dúvida de saber-se se o número elevado de presentes preenche a dupla função de amigos dos familiares e católicos praticantes (passe a redundância) fica esclarecida por alturas da comunhão, que só se chega à frente quem acredita no que vai fazer, independentemente das condições em que o faz. Percebi, portanto, que a grande maioria dos presentes era crente.

Olhei para as pessoas enquanto a missa não começava. A circulação humana distrai-nos fatalmente; porém, a uma dada altura, já não identifico o zé, o manel ou a maria, mas uma comunidade de crentes. Se a estatística for o que é, há ali gente desonesta, homens ou mulheres que são infiéis às pessoas com quem vivem, ou que não olham para o lado, para ver a fragilidade humana no seu próximo. Mas há também o seu contrário: gente boa, trabalhadora, honesta, solidária, respeitadora. E quero acreditar, mesmo que não seja totalmente verdade, que a igreja estava cheia de gente que não quer desistir, que ouve a a palavra de Deus, não para comprovar que são assim como Cristo ensina que devemos ser, mas para perceber a sua própria imperfeição. No fundo, pessoas que vão à missa, não porque são santos, mas porque querem sê-lo.

Acredito que ir a uma missa de corpo presente é, acima de tudo, um tempo de oração por quem fica, mais do que por quem parte. Para mim, que vi quem morreu uma ou duas vezes na vida, é um tempo de oração muito "impessoal" e não assente em memória alguma, uma vez que rezo por quem não conheci e por quem não conheço - a não ser uma filha de quem sou amigo. Talvez por isso a minha atenção divague e me distraia a ver pessoas, a imaginar fragilidades ou procuras de santidade, a questionar-me no que pensarão as pessoas, como levarão as suas vidas à luz daquilo em que acreditam. Estar numa igreja cheia de gente pode ser por isso, a ideia de estarmos entre iguais - uns iguais mais iguais do que aqueles que encontraríamos num supermercado ou num jogo de futebol. Talvez seja, ainda que com uma explicação difícil na dimensão que me é interior, uma irmandade que não se conhece, mas que olha para o mesmo ponto no infinito.

JdB    

2 comentários:

  1. JdB,
    Entre ( ) vai o que eu sinto.

    ... há ali gente desonesta, homens ou mulheres que são infiéis às pessoas com quem vivem, ou (e) que não olham para o lado, para (não) ver a fragilidade humana no seu próximo.
    Percebo a sua ideia da qual estou muito próximo. Mas talvez... eu, desempregado, tenha mais tempo para escrever e re-escrever...

    ... (as) pessoas vão à missa, não porque são santos, mas porque querem sê-lo.
    E isto é muito belo.

    ... uma missa de corpo presente é, acima de tudo, um tempo de oração por quem fica.
    Acredito sem alguma dúvida.

    ... uma vez que rezo por quem não conheci e por quem não conheço.
    Rezo, diariamente, por quem conheci e por próximos de quem conheci.

    ... a ideia de estarmos entre iguais.
    Curiosamente, numa Missa (antes, durante e após) eu apercebo-me das diferenças. E há tantas pois somos todos diferentes.

    A nossa Fé espanta. O cristianismo é muito diferente. É a única religião que se baseia exclusivamente num facto: Cristo ressuscitou. Isto não acontece em mais nenhuma religião. A vida ou a morte do cristianismo depende da verdade ou da mentira da ressurreição. Aliás, o cristianismo não é uma religião. É uma pessoa.

    A Igreja não é uma associação desejando apoiar uma determinada causa. Não se trata de uma causa. Trata-se da pessoa de Jesus Cristo. (Bento XVI)

    Jesus Cristo foi morto por blasfémia. Deus foi morto por ter ofendido a glória de Deus. Há uma boa razão para que a Igreja de Cristo não seja uma religião. É que Cristo foi morto exactamente pela religião. A melhor e a mais perfeita das religiões alguma vez existentes no mundo. A única a quem Deus falou directamente. (João César das Neves)

    As religiões são as formas supremas pelas quais o ser humano busca um sentido para a sua vida ... Quem sou eu? De onde venho? Para onde vou? ... Em todos os tempos, o homem sempre sentiu esta ânsia por algo que o ultrapassa. O sentido religioso, a luta para chegar ao infinito, são dados tão evidentes como a fome.
    As religiões são processos, por vezes sublimes, de busca de Deus. Cristo, o facto central da Igreja, é a resposta a essa fome humana. E, por isso, Ele conduz precisamente ao oposto das atitudes das religiões. Não se trata do homem a procurar uma resposta, mas da Resposta que vem ao encontro do homem. E o encontro é no Natal. A Igreja é a presença de Deus em busca do homem. Quando Deus se faz presente, a pergunta está respondida e a busca terminou. (João César das Neves)
    Há valores humanos em que o cristianismo não atinge a perfeição de outras féS.
    O Budismo é mais místico, o Islamismo mais rigoroso, o Judaísmo mais resistente, o Hinduísmo e as mitologias mais poéticos.
    O cristianismo não tem destas coisas: tem, somente, Cristo — Deus feito homem. (João César das Neves)

    Abraço

    ResponderEliminar
  2. Caro Anónimo (ou nem por isso)

    Obrigado pela sua continuada visita. Não comentarei o seu comentário por motivos óbvios. Basta ler e apreciar.

    ResponderEliminar

Acerca de mim