No ano passado, num casamento, fui abordado por uma sorridente senhora da minha idade:
não se lembra de mim?
Sofro, hoje em dia, de uma falha incomodativa: não fixo caras e, se "desenquadro" a pessoa em questão, não há hipótese de a reconhecer. Porém, estava certo de que nunca a tinha visto. Sorriu mais abertamente e elucidou:
sou fulana...
Abri a cara num sorriso grande e estivemos na iminência de um abraço. Não via fulana há 45 anos, talvez. Rimo-nos, contámos coisas, relembrámos pessoas e épocas. Agradeci-lhe muito o facto de, impulsionada pela irmã a quem eu tinha perguntado por ela, me ter vindo falar.
Tive um gosto enorme em ter revisto fulana? Nem por isso: o gosto adveio, muito simplesmente, de naquele sorriso que trocámos eu ter revivido uma época feliz. Fulana foi o veículo que permitiu o regresso a um passado que me deu muito prazer. Em bom rigor não troquei nenhum sorriso ou nenhum beijo com fulana. O meu sorriso, o meu sinal de afecto, foi para uma época que dista 45 anos - ou mais. Beijei o intangível através do beijo ao tangível.
A felicidade é sempre um movimento do corpo sobre o passado, porque não podemos sorrir para o futuro, que não sabemos se existe. Sorrimos para o nascimento de um neto, para a alegria de um filho, para a amabilidade de um amigo: esse sorriso é sempre, decorrido um nanossegundo, sobre o passado, porque o presente é terreno de passagem. Tudo em nós já foi, nunca será, escassamente é.
Olhar sobre o passado - mesmo que o passado seja a semana anterior à presente - é olhar sobre o certo, o conhecido, o existente. A nossa felicidade (ou o seu contrário) é sempre um exercício de memória, de recordação. A ideia de felicidade do professor Zandinga, que previa o futuro, é uma arma para iludir néscios. Somos felizes porque lembramos, não porque prevemos. Somos felizes porque temos passado, não porque desejamos futuro.
JdB
«Somos felizes porque temos passado, não porque desejamos futuro.»
ResponderEliminarIdeias como esta — que é uma Verdade — são raras e são, raramente, divulgadas.
Muito o felicito.
Abraço do ao
"Somos felizes porque lembramos, não porque prevemos. Somos felizes porque temos passado, não porque desejamos futuro."
ResponderEliminarCerto, o passado conforta, dá-nos força, conhecimento, experiência e, acima de tudo, energia para aproveitar o que vem. O que foi já era. Não se vive o ontem, revive-se apenas. Só se vive o hoje, o efémero hoje. O amanhã é o que nos está sempre a desafiar, porque o ontem já era.
Fui!
montada numa vassoura