25 outubro 2019

Petit riens de um congresso


- Amiga das distantes Filipinas manda-me a imagem acima. 

- Converso com o presidente cessante da SIOP (Société Internationale de Oncologie Pédiatrique) com quem travei conhecimento e amizade no ano de todos os anos, 2001. Cruzamo-nos uma vez por ano, em sítios onde se fala de esperança, de tratamento, de doença, de estatísticas injustas. É oncologista pediátrico há 30 anos. Quando se reformar tentará ir para África fazer voluntariado. Se voltasse atrás? Fazia tudo igual. Todos os dias toca numa fotografia que tem pendurada no sítio onde trabalha. Toca no nariz de uma rapariga que o levou a rapar o cabelo e que morreu. Foi esta e mais outras que não conseguiu salvar. Se voltasse atrás? Fazia tudo igual.

- Assisto à apresentação de um funcionário superior da OMS, médico novo, responsável pela iniciativa global de combate ao cancro pediátrico. É um homem competente, afável, que sabe as estatísticas: 80% de sobrevivência nos países desenvolvidos, 20% de sobrevivência nos países que o não são, onde estão 90% dos casos de cancro infantil. Tirou umas férias, depois de ter tido uma filho há 4 meses. Para onde foi? Fazer voluntariado médico para o Quénia. 

- É nestes médicos que vejo a essência da medicina. Outros haverá que não conheço, muitos haverá que querem negócio. Mas é destes que quero falar agora, para que não me esqueça que sou vice-presidente de uma associação global que lida com estes temas, e com os 20% de sobrevivência. 

- Vejo brasileiros, ugandeses, iraquianos, japoneses, suecos, chilenos, coreanos, austríacos, russos chineses ou franceses. Riem, abraçam-se os que são de abraçar; cumprimentam-se, revêm velhos amigos. Falam a mesma linguagem da esperança e das estatísticas que teimam em aparecer. São a minha grande família internacional, em frente de quem  (não estes, mas outros iguais) chorei pela primeira vez em 2002, por falar destes temas que me acompanham há 18 anos. 

- Vejo um filme sobre irmãos em luto. Um filme duro, desafiante, que nos faz relembrar distracções dolorosas com os nossos filhos sobreviventes, que nos faz pensar no tanto que temos de fazer. Miúdos que só viam as fotografias do irmão morto em casa, ou que achavam que só tinham o amor dos pais se estivessem doentes, ou que teimam em não soltar nem soltar-se.  

- Faço trocadilhos, rio, gozo com amigos, falo alemão (que é uma forma de fazer trocadilhos incompreensíveis), arrisco o francês e as três palavras que sei dizer em russo. Falamos a língua da esperança e das estatísticas, mas cada um também fala a sua original, onde se refugia, onde tem mau feitio e defeitos. Praguejo em português porque estou cansado ou me sinto destratado, choro em francês quando o presidente do SIOP se refere a mim num discurso de despedida, ou fungo em etíope porque sim.

- Passar uma semana nestas andanças é um cansaço mental, uma cansaço físico e, por vezes, um cansaço da alma. Se voltasse atrás? Fazia tudo igual, talvez melhor. Nesse sentido sou um felizardo. 

Desculpem qualquer coisinha.

JdB

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