17 dezembro 2019

Da nossa família que desconhecemos

No início do século passado, um irmão da minha avó paterna partiu como chargé d'affaires, o que tem uma conotação diferente de encarregado de negócios, para a Holanda. Aí terá casado com uma holandesa e, aos 50 anos, teve uma filha. Morreu quando a filha (única) tinha 10 anos. À semelhança de muita gente daquele ramo da minha família (talvez meia dúzia, o que, com estes hábitos, configura bem a dimensão muita gente) nunca voltou a Portugal - ou se voltou não deixou marcas perenes da sua permanência. Talvez nem mesmo vestígios.

Através de uma aplicação que envolve identificação do ADN e comparação com ADN's semelhantes, um primo meu descobriu o que parecem ser familiares nossos, descendentes desse tio José do Carmo. Através do obituário soube-se que a filha única desse nosso tio-avô morrera em 2007 numa terra chamada Urbanna, onde era co-proprietária da Taylor Hardware & Furniture Co. O obituário tem um início invulgar para as páginas dos jornais portugueses que participavam, noutros tempos, falecimentos e missas de 7º dia. Diz o obituário (e traduzo livremente) que Therese D. Taylor, de 78 anos e viúva de Robert P. Taylor, partiu para casa para se encontrar com o seu Senhor e Salvador Jesus Cristo a 8 de Dezembro de 2007. Terá morrido na sua própria casa, após breve doença.

Há duas cidades Urbanna, nos EUA. Cruzando com o nome da empresa funerária (de Saluda, também nos EUA) que tratou das exéquias depreendo (sem grande margem para certezas) que esta Urbanna é na Virgínia; é uma cidade onde, segundo o censo de 2000, moravam menos de 600 pessoas, e que, entre outros factos assinaláveis, tem um festival de ostras que começou em 1958. 

Assumamos que falamos da mesma família: eu e os filhos da falecida somos filhos de primos direitos, o que é um parentesco próximo. Do lado específico da família que nos é comum conheço quase toda a gente; do lado específico da família que nos é comum eles não conhecerão ninguém. Num instante - num mail, num telefonema, numa imagem partilhada, no acesso a um programa específico - estes meus primos de Urbanna, VA, passarão a conhecer uma genealogia que vai até onde se poderá ir: nobres e plebeus, reis e aventureiros, santos e conspiradores, profissionais competentes ou amantes da boa-vida, gente notável e gente vulgar. O que dirão eles, habitantes de uma terra que tem menos de 600 habitantes e um festival de ostras com 60 anos? O que diria eu, se fosso ao contrário? Que mundo se abre dentro de nós? Abre-se algum, ou é apenas como ver uma rã com três olhos?

JdB   

3 comentários:

  1. Posso dar um palpite? Trate o assunto com imensa delicadeza.
    Em vez de esperar que vai alargar a sua Família, sugira que pretende alargar a família deles.
    Abraço do ao

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  2. ao,

    Obrigado. Do ponto de vista puramente matemático, é a família deles que fica alargada, por razões que posso explicar, mas que talvez sejam facilmente perceptíveis. Mas agradeço o palpite.

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  3. O palpite não advém de álgebras, mas sim de eu ter 'perdido' parte dos meus próximos (Miranda, v.g.) pela tola prima-donice de uma mana que, aliás, nunca regulou normalmente. Como é inferior, vive de 'complexos de superioridade'.
    ao

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