04 março 2020

Poemas dos dias que correm

Amar uma pedra, um cão, uma osga, uma barata.
Amar uma pessoa que não gosta de nós.
Amar uma pessoa de quem não gostamos.
O amor é mais difícil que a mecânica quântica.
Fernando Pessoa, num poema em que caridade rima
com electricidade, diz que não tem caridade.

Às vezes, aquilo a que chamamos amor não é amor:
- é exigir amor em troca
- é dar para que dês

Amar alguém é confiar nessa pessoa, não estar de pé atrás, acreditar nessa pessoa. Gostamos pouco uns dos outros, disse Tonino Guerra.
Querer amar e ser amado, dizia Jorge Luis Borges, é muito ambicioso, não é humilde.
Acho que devemos pedir só para amar.
É fácil amar quando a vida nos corre bem.
Quando a vida nos corre mal, insultamos o mundo e, às vezes, insultamos Deus. Acreditar então nas coisas mais queridas, mais pequeninas:
- as medalhinhas do nosso Baptismo, que entretanto foram roubadas, se perderam.
- a imagem de Nossa Senhora de Fátima comprada na loja dos 300.
- dois versos de uma oração de que esquecemos o resto.

Às vezes, a vida corre-nos muito bem e esquecemo-nos da compaixão. A compaixão é o amor. Só a compaixão salva. Só a compaixão é eterna.
O sofrimento nem sempre se vê. E o sucesso, como o desespero, pode cegar.

Às vezes, temos grandes amigos e não sabemos. A padeira do nosso bairro, o vizinho do nosso prédio. Anos e anos a dizer:”Bom-dia! Boa-tarde!, mais nada, e essas palavras bastaram.

O amor nem precisa de palavras. Mas as palavras sabem bem.

Adília Lopes

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