Oiço este trecho na homilia de domingo passado. Seria assim que Deus se dirigira no paraíso aos que, praticantes da iniquidade, lá entrassem. Sussurro para quem está ao meu lado: será que Deus não conhece alguém que chegue ao Céu? A pergunta será despropositada, mas por vezes estes pequenos raciocínios deixam-me a pensar: que pedagogia devo eu tirar deste trecho? Que se praticar a iniquidade vou para o céu mas o Criador me dirá (por duas vezes, como vem neste passo de Lucas) que não sabe de onde sou?
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A morte de cada homem diminui-me, porque eu faço parte da humanidade; eis porque nunca pergunto por quem dobram os sinos: é por mim. A frase de John Donne tem várias traduções e nem sequer sei se esta é a mais correcta. Foi a que me saltou de imediato no computador.
Tenho pensado na morte de Pedro Lima, o actor que se suicidou no passado fim de semana. Entre jornais, revistas e televisões não vi nada de elevado. Apenas vi porcaria, exploração ad nauseam de uma tragédia. À cabeça da manada, para citar uns versos de fado, a CMTV (não sei se há, como vi escrito por aí, aproveitamento para um ataque da Cofina à TVI), à qual só falta referir o tamanho da faca, o local e preço de compra, a direcção do movimento com que o actor se golpeou várias vezes, a quantidade de sangue jorrado. Ler os comentários dos jornais é contemplar uma cloaca, para usar uma expressão que encontrei por aí. Entre a admiração bacoca pelo actor e a crítica mais feroz ao que ele fez, nada se aproveita. Não há um módico de pudor nem de respeito. Aliás, ler os comentários dos jornais é perceber a dimensão da descarga de bílis de parte substantiva da nossa população.
Tenho pena da mulher e dos filhos do actor; tenho pena do sofrimento dele, daquilo por que ele passou até chegar a este ponto. Mas não sei o que dizer da Ministra da Cultura que se referiu a ele como "emblemático protagonista" ou do Presidente da República que achou que ele, Pedro Lima, irradiava felicidade. Faz-nos pensar, não só num claro provincianismo que nos assola, mas no que as pessoas veem num actor de telenovela que sofria de depressão que o conduziu ao suicídio. Felicidade?
JdB
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