13 agosto 2020

Das minhas (aparentes) convicções

Sou católico. Muitas vezes me questionei se seria um bom católico (cristão sei que sou fraco) por ir contra algumas práticas / tradições / posições da Igreja: a necessidade dos dois milagres em processos de canonização, o excesso de facilitismo em processos de declaração de nulidade de casamentos, o impedimento de um segundo casamento pela Igreja (com regras...), a proibição quase absoluta de ordenação de mulheres, a devoção inexplicável a alguns santos (o que configura a perpetuação de um certo analfabetismo religioso), a ideia de um Deus por trás de tudo o que de bom acontece. 

Sou monárquico. Muitas vezes me questionei se seria um bom monárquico, pois tenho uma visão crítica, que não escondo se indagado, sobre algumas pessoas que, em Portugal, têm responsabilidades elevadíssimas na promoção do ideal. Tenho dificuldade em ser acrítico e achar que algumas coisas ou pessoas não se questionam ou que merecem um respeito quase absoluto. Gosto da ideia (que me parece hoje em dia prevalecente) de que o nome ou o título nos dão mais responsabilidades do que direitos, até porque prerrogativas práticas já nenhum marquês, conde ou duque tem... 

Vem este intróito a propósito dos acontecimentos que têm vindo a abalar Espanha: os escândalos amorosos (conhecidos de há muito) e financeiros atribuídos a Juan Carlos (é cansativo escrever rei emérito...). Tenho lido alguma coisa com que me cruzo ou que me mandam. Quase tudo o que leio tem um duplo menor múltiplo comum: a enorme importância que o Rei emérito (vá lá, um pouco de esforço) teve na passagem da ditadura para a democracia e a campanha orquestrada contra a monarquia. Ora, nada do que é dito em abono de Juan Carlos é falso; e nada do que é referido contra a monarquia é inocente.

Cansado desta ideia sempre apregoada da presunção de inocência (uma espécie de prudência levada ao limite, travestida de justiça), não sei, contudo, se Juan Carlos é culpado de receber 100 milhões de euros (ou era dólares?) e dar 65% a uma amante; Deve ser verdade, até, talvez, pelo facto do Rei Felipe ter renegado uma parte (toda?) da herança; muito provavelmente não gostaria de receber o que sobrasse daquela verba saudita, que talvez lhe sujasse as mãos.

(Questiono-me sempre, ingenuamente, para que quereria Juan Carlos mais dinheiro que manteria secreto. Para comprar uma Montblanc melhor? Para fazer um upgrade ao computador?)

O que não percebo - e com que não concordo - é esta defesa do Rei emérito (lá está, outra vez) com base na importância que ele teve no passado e na infame campanha anti-monarquia. Primeiro, o bem que fizemos no passado não nos dá permissão a errar no presente, quando esse erro é notório e consciente; em segundo, sabendo-se que há uma campanha anti-monarquia, aquilo que devemos fazer é tomar mais atenção e fazer (quase) tudo bem, e não assacar responsabilidades a quem nos quer fazer mal. A culpa dos nossos erros estarem escarrapachados no jornal não é de quem os publica... 

Continuo a ser um monárquico crítico. Espero que se comprove que Juan Carlos nada fez de mal (para além das amantes e da tristemente famosa e empolada fotografia ao lado de um elefante morto). Porém se se comprovar que teve um comportamento pouco ético (já não falo de ilegalidades), que com isso prejudica a monarquia em Espanha e dá uma machadada no ideal monárquico, não me venham falar no passado dele nem de campanhas orquestradas. Ele que se tivesse portado bem, porque assim não teria de sair por uma porta muito pequenina, ele que entrou para a História por uma porta muito grande. E este auto-exílio (ou as pessoas que o empurraram para fora de Espanha)...

Qual o nível de criticismo que posso ter relativamente à Igreja ou à Monarquia antes que me digam: hmmmm, o meu amigo não é bem católico nem monárquico...

JdB 

3 comentários:

  1. Como nunca fui adepto e crente do Deus pastor, prefiro acreditar que nos foi concedido a todos o livre arbítrio e que nos cabe a nós aproveitar ou não a Graça que nos foi concedida. Em relação à monarquia é mais ou menos o mesmo... uma coisa é a instituição real, na qual acredito convictamente; outra, bem diferente, é ter de desculpar todos os espectáculos deploráveis que se vão vendo por aí, só porque acontecem em estados monárquicos (aliás, as repúblicas também são pródigas nesse tipo de actuações, tal como nós, portugueses, bem sabemos)... Só para acabar... não morro de amores por Espanha, até porque a Espanha una só existe porque houve alguém que impôs o castelhanismo, à força, a todo um território que tem várias Nações. Caso a monarquia acabe, o estado espanhol (leia-se, o país), tal como hoje o conhecemos, acabará também.

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  2. Obrigado pela visita (a este e ao outro post onde se fala de cigarros desaparecidos).
    Embora haja muita gente a torcer pelo fim da monarquia porque é o fim da Espanha, preferia vê-la una. Há quem ache mesmo que a Espanha ainda é um perigo para Portugal. Porquê? Por causa do nome do Rei: Filipe não é um bom auspício para Portugal. A ver vamos, como diria o ceguinho.
    Quanto A Juan Carlos, é uma pena, de facto. Merecia uma porta grande. Talvez mesmo, em linguagem taurina, sair aos ombros pela porta do príncipe...

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  3. Eis um tema que teria muito gosto em debater consigo. Talvez num repasto para breve.

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