02 outubro 2020

Da dança e do sexo

Não me atirei a investigar a história da dança: não as danças de palco, mas as danças de salão. Não sei, por isso, quando é que nasceu a dança em casal. Sei, isso sim, quando acabou - e sei o que isso fez de mal à civilização.

Como já tive oportunidade de referir bastas vezes neste estabelecimento, olho para a dança com os meus olhos - e isso parece-me um enorme lugar-comum. Ver algumas pessoas numa pista de dança é perceber que a agitação do corpo ao som de uma música - ou apenas de um pau que bate num balde de metal - é algo de muito antigo, que se perde na escuridão dos tempos. Não sendo especialista na matéria (já fui especialista em matéria vaga, agora nem isso) vou presumir que a dança é como os filisteus: sempre houve, no raciocínio de um néscio que existiu. Seja para afugentar espíritos, seja para convocar os deuses, para dar sorte ou para esconjurar o mal, a raça humana já se agitava ainda antes de usar o fogo no seu quotidiano. 

Há uma semelhança interessante entre a dança e o sexo. Vou imaginar que há milhares de anos, os habitantes da Terra, depois de se terem agitado freneticamente à volta de uma fogueira, não escolheriam uma parceira com quem ir para a caverna de mão dada. O sexo era procriação, tal como a dança era exorcismo. A palavra par não tinha sido ainda inventada para o movimento mais ou menos coordenado dos corpos. Tudo era mais ou menos grupal.

Não sei o que provocou a dança em casal, 

(e é o facto de não saber que me permite escrever este ror de disparates)

o que sei é que há um momento de perfeição na existência do mundo em que dança e sexo atingem o seu ápice em conjunto: é aquele fugaz momento 

(e terá existido mesmo?)

em que as pessoas gostavam de dançar com uma determinada pessoa e que gostavam de fazer amor com uma determinada pessoa: uma espécie de fidelidade a atingir um pináculo. Depois, a partir de uma certa altura, a dança em casal terminou, como terminou uma certa vontade de fidelidade. Dança-se em grupo, onde as relações físicas são fluidas. Engana-se a pessoa com quem mantemos um vínculo afectivo, porque também as relações humanas são fluidas.

Dançar é um momento afectivo; fazer amor é um momento afectivo. Fazer ambas as actividades com outra pessoa que não aquela com quem escolhemos partilhar a vida pode ser um momento de perdição. Talvez por isso tenham acabado com as danças de agarração, como se diria num certo tempo.  

JdB    

   

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