04 maio 2021

Das autobiografias não autorizadas

Aqui há algumas semanas escrevi um post em que referia que os esquimós têm 15 palavras para neve; talvez fossem 13 e talvez fossem os lapões. Nestas partidas do destino leio por aí que são 52, afinal - e que são os esquimós. Não me enganei em tudo.

A introdução serve para o resto do post: não há garantia de reproduzir a história como ma contaram, não há garantia sequer da história ser verdade. Porém, mesmo que não seja exactamente assim, serve o propósito. Afinal, entre 15 palavras para neve e 52 palavras para neve a diferença não é muita. 

Sartre teria vivido até tarde com a mãe, com quem tinha uma boa relação. A mãe, cujo feitio desconheço, terá lido a autobiografia do filho - que era Sarte - e terá dito apenas isto: "não percebeu nada." De uma certa forma, e a ser verdade, esta autobiografia do escritor poderia abrir espaço para uma classificação "autobiografia não autorizada.". Se há biografias não autorizadas, porque os biografados não se revêem no que foi escrito ou não autorizaram a que algumas coisas tivessem sido escritas, porque não ter o mesmo raciocínio com as autobiografias?

Se dermos razão à mãe de Sartre, o escritor não percebeu nada do que foi a sua vida ou, sei lá eu, a sua infância mais primeira, para a qual olhamos mais tarde com um olhar adulto. Talvez ele dissesse que gostava obsessivamente de ler em criança, e o fazia às escondidas debaixo dos lençóis com uma lanterna; e talvez a mãe se lembrasse (ou apenas imaginasse, que me fogem as cronologias) do Barthes, que falava dessas coisas de criança como uma espécie de síndrome do Nautilus, onde se está dentro de uma bolha de protecção e controlo.

Há pessoas que não perceberam nada do que foi a sua vida, que olham para ela e vêem a mãe ou o pai, e afinal era um chapéu ou o merceeiro, que se lembram do medo do escuro e afinal era apenas o horror à astronomia. Eu sei que divago, que devia estudar melhor a lição, ir buscar o Freud e coisas assim, mas estou sem cabeça e lembrei-me desta história: uma mãe que olha para a autobiografia do filho e diz apenas: "não percebeu nada.". Talvez Sartre devesse ter pedido autorização à mãe; mal não lhe faria.

JdB

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