28 maio 2021

Das iniquidades

O filho gémeo de Frederico e Maria C. foi diagnosticado com retinoblastoma bilateral com 1 ano e 4 meses de idade. Foi encaminhado para o Hospital Groote Schuur, na Cidade do Cabo, África do Sul [a mais de 2.000 quilómetros de casa] para tratamento especializado e, no primeiro ano, o casal teve de vender os seus dois carros, Maria perdeu 2 empregos e tiveram de pedir um empréstimo ao banco para pagar o tratamento do seu filho. O alojamento mais barato que Frederico pôde encontrar na África do Sul, e que era acessível, foi em Kraaifontein - a cerca de 40 quilómetros do hospital. Tinha de pagar R1400 [83€] por uma viagem de taxi para o hospital. Numa das suas visitas já só tinha dinheiro para ir à África do Sul, e foi então que o Prof. Marc Hendricks o apresentou à CHOC [organização sul-africana de apoio a crianças com cancro]. A CHOC foi buscar Frederico e o filho no aeroporto, deu-lhe alojamento e transportou-o de e para o hospital; Frederico afirmou que a CHOC lhe salvara a vida, e que nunca poderia agradecer o suficiente o apoio que recebera. Infelizmente, a 7 de abril de 2021, após quatro anos de tratamento, o seu filho morria, tendo deixado o casal num luto profundo. Frederico explicou que, na sua sua cultura, o homem tem de ser forte e não pode chorar e, para sobreviver à dor, fundou a APACC [associação moçambicana de apoio às crianças com cancro]. Quer garantir que nenhum pai sofrerá tanto como ele, e o seu objectivo é aplicar em Moçambique tudo o que aprendeu com a CHOC. 

O texto acima faz parte de um relatório elaborado aquando de uma visita da CHOC a Moçambique, e que me foi enviado. O texto e a história que está por trás têm peso suficiente para que nada mais se justificasse acrescentar. Conheci brevemente e virtualmente o Frederico, numa altura inicial de formação da APACC, que a Acreditar se propôs ajudar. Ler o que foi a vida destes pais tocou-me muito, e fez-me reforçar a necessidade de existência da Childhood Cancer International: a redução das iniquidades no mundo, a importância de manter o tema da oncologia pediátrico na agenda global, a obrigação de olharmos para as tragédias por que passam, ainda, tantos fredericos no mundo.

JdB  

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