28 julho 2021

Do foco no que é importante

Já aqui escrevi sobre este tema, pelo que decerto que me repito. 

Toda a minha vida profissional relevante foi passada numa multinacional. Para além de aspectos muito bons, confrontei-me com outros menos bons. Aprendi o rigor, o planeamento, a atenção aos prazos, o controlo, a noção de eficiência; mas aprendi também as pequenas sacanices, os chefes maus, os colegas que não hesitavam em apunhalar os outros pelas costas, a ambição da promoção sem olhar a quê nem a quem. Era um ambiente profissional, competitivo, onde as pessoas lutavam por poder numa empresa cujo objectivo era o lucro. Quando acabou o meu tempo e me ofereceram um cheque por extinção do posto de trabalho, despedi-me de um ambiente mau, onde, à falta de pão - leia-se menos lucros - todos ralhavam e ninguém tinha razão.

Muitos anos depois  - 10, talvez - entrei no mundo das organizações sem fins lucrativos com dimensão internacional. Falamos de crianças com cancro, de desafios importantes, de sobrevivência muito lutada, de continentes onde em cada dez crianças diagnosticas, oito morrem. É uma actividade nobre, solidária, onde uma mente que não seja tacanha percebe que tudo isto é maior do que cada um dos nossos egos, dos nossos desejos, das nossas pequenas ambições. No entanto, encontrei-me com gente ambiciosa, mal formada, quase doente, perturbada (tudo numa pessoa só, ou algumas coisas nalgumas pessoas). Pessoas com duas caras, que dizem coisas diferentes em ambientes diferentes, que chegam a casa e veem o filho que teve cancro mas que, mesmo assim, isso não chega para um módico de ética ou de humildade. 

(Também vejo, mas num registo menos relacionado com este texto, gente profundamente provinciana, com uma visão paroquial da vida, para quem o mundo pouco mais é do que o fundo da sua rua, que olham para uma ONG com um olhar exclusivamente assistencialista, que desconhecem a ideia de marca, de identidade, de posicionamento, que acham que o amor e a dedicação chegam para levar a associação aos píncaros...)

Este mundo que conheço há dez anos está repleto (e a grande mancha é essa) de gente boa, dedicada, que investe horas do seu dia a fazer o melhor possível em condições muito desafiantes. Porém, volta e meia o mundo ensina-me qualquer coisa: trabalhar-se nesta área não faz das pessoas melhores pessoas e, por mais estranho que pareça, volta e meia temos de reunir um grupo de gestão de crise para fazer face a ataques baixos, com uma baixeza doentia, incompatível com a comunidade de crianças e jovens com cancro que servimos. 

Podemos desejar ter ideias luminosas, rasgadas, que rompam com tradições em nome de um melhor serviço. Antes disso, o que eu peço é que Deus não me deixe desfocar da verdadeira motivação para este serviço; que eu nunca me perturbe e que eu saiba sempre o meu papel no grande esquema das coisas.

JdB 

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