27 outubro 2021

Vai um gin do Peter’s ?

STAND BY ME – PEDIDO ESSENCIAL DA HUMANIDADE  

Em 1961, o cantor e compositor norte-americano Ben E. King publicou a balada «STAND BY ME». Talvez não imaginasse as transformações e reinterpretações que a ária, nascida no alvor do rock & roll, iria merecer, integrando depois o escol das Canções do Século, por eleição da Recording Industry Association of America. 

Num ápice, tornou-se num clássico elevado a hino universal aberto às múltiplas gradações do amor: desde as preces ao Pai Criador, até ao SOS lançado aos nossos semelhantes, numa base de confiança na vida. Apesar da elasticidade do texto, tem subjacente o amor eterno e inquebrantável que, até na situação limite, permanece. Paira ainda a subtileza de também poder provir de um Deus, que se oferece aos seus filhos humanos: «just stand now / Oh, stand, stand by me / When all of your friends have gone». 

A letra poética de King, Leiber e Stoller(1) inspirou-se no Salmo 46, enquanto o arranjo instrumental beneficiou dos contributos da dupla virtuosa da época – Jerry Leiber e Mike Stoller.  

O início da música segue a progressão harmónica típica dos soul, mas a novidade está no facto de o arranque ser instrumental lançado pelo baixo, depois complementado por uma percussão suave, até emergir a voz poderosa de um tenor. A sequência tornou-se icónica e a alteração logo baptizada de ‘Stand By Me changes’. 

 

Como afrodescendente que iniciara a carreira nos coros da Igreja, King cunhou-a com a tonalidade dos gospel e entoou-a com paixão, dando sentido a cada palavra, qual salmo do século XX.  Pela letra também perpassa o clamor intenso e dorido com que os escravos norte-americanos elevaram ao céu a sua oração musical. Neles, não se duvida que assim rezaram a dobrar.

Anos mais tarde, com a intencionalidade da música de intervenção apostada em ‘playing for change’, John Lennon transformou-a num toque a rebate capaz de convocar a gente nova do seu tempo, para serem protagonistas das mudanças por que a sua geração ansiava. Claro que se tratava de um luxo dos países democráticos, onde a liberdade de cada um dizer e reivindicar o que bem entendesse era dada por garantida. Nesses fervilhantes anos 60, a própria batida do jazz e da música pop galgava fronteiras, dando noção de grupo à geração estudantil de latitudes muito distantes. Ao vibrarem ao som dos mesmos refrãos, os jovens curtiam o sentido de pertença que os hits musicais da altura tinham acordado e ateado entre eles como fogo na pradaria.  

Seguiram-se as interpretações à desgarrada da ária do norte-americano, sumamente internacionais, juntando cantores de diferentes continentes e também proveniências, apenas unidos sob o mesmo mote, que clama por companhia. Mais certeiro e intemporal era difícil.    

Curiosamente, os anos passaram e a raiz gospel voltou com novo fôlego, evoluindo-se para as interpretações ‘à capela’, 100% sustentadas no calor da voz humana. Uma das melhores é interpretada pela banda inglesa Buzztones, nascida em 2011, a partir de 16 rapazes talentosos, que ensaiavam em pubs. Os vozeirões do grupo (normalmente, 10 em palco) fazem alguma justiça ao timbre cristalino dos escravos, que rezavam chorando e cantando. Naturalmente, nos londrinos não se sente a dor misturada de esperança que tinge os gospel, ressaltando antes o gozo de um hobby saboreado em equipa. Mas, à sua maneira, corporizam igualmente o brado que transpira de «Fica comigo /Permanece ao meu lado»: 

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Stand by me – implorado com fervor ou já reconhecido com entusiasmo – resulta numa profecia que se vai auto-cumprindo, à medida que o seu rastilho artístico ecoa por novas geografias, comprovando a universalidade de um pedido crucial do ser humano, sedento de amor, de amizade, de boa companhia. Percebe-se por que saltou tão facilmente do Antigo Testamento para o mundo rico do pós-guerra, continuando a reinventar-se no terceiro milénio.   

Maria Zarco

(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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(1) Letra de King, Leiber e Stoller:

«When the night has come
And the land is dark
And the moon is the only light we'll see
No I won't be afraid, oh I won't be afraid
Just as long as you stand, stand by me

So darlin', darlin', stand by me
Oh stand by me
Oh stand
Stand by me, stand by me

If the sky that we look upon
Should tumble and fall
Or the mountain should crumble to the sea
I won't cry, I won't cry, no I won't shed a tear
Just as long as you stand, stand by me

And darlin', darlin'
Stand by me, oh stand by me
Whoa, stand now
Stand by me, stand by me

Darlin', darlin', stand by me
Oh, stand by me
Oh, stand now
Stand by me, stand by me
Whenever you're in trouble, won't you stand by me?
Oh, stand by me
Whoa, just stand now
Oh, stand, stand by me

When all of your friends have gone.»

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