31 dezembro 2021

Dos contentinhos

 Há quem deteste gordos; há quem deteste judeus, ou fascistas ou gente que gosta de corridas de touros ou de carne. Há quem deteste estrangeiros, homossexuais, vegetarianos; há quem deteste gente que conta anedotas ou gente que maça. Há, por último, mas não menos importante, quem deteste gente contentinha. É o meu caso, confesso, embora da minha lista de "gente que detesto" também haja outros grupos. 

Que não haja dúvidas: cresci com gente com graça, divertida, que ria e fazia rir sentado a uma mesa ou num sofá. O humor que se praticava não requeria mãos, saltos, cambalhotas, palavrões ou batatas atiradas pelo ar. Era um humor que se praticava com a palavra apenas, o que não significa que fosse sempre inócuo. Grande parte do humor é à custa de alguém, de um desgraçado ou, se tudo correr bem, de alguém que se ri também de si próprio.

O contentinho é aquele que salta, que vibra com a primavera, com os passarinhos, com os dias compridos e com os sinais exteriores de divertimento. São pessoas que sopram cornetas, que batem com uma martelo na cabeça do transeunte, que pregam partidas, que gritam muito e que querem saltar de um sofá e fazem contagem regressivas quando se aproxima a meia-noite de 31 de Dezembro. São pessoas que se mascaram no Carnaval, que acham que a idade é um estado de espírito e que, de algália, muletas, e falhas de memória, ainda se disfarçam de urso, de tirolesa ou de Mefistófeles, para sermos queirosianos. 

Na passagem de ano os contentinhos sentem-se em casa: dão abraços, contam e deglutem passas, saltam de um sofá e formulam votos secretos: que haja amor, que acabem as guerras e a fome, que o iva baixe ou que o Costa vá à vidinha dele.  E já agora, que sejam melhores pessoas ou que facturem mais. Depois atiram-se a uma champanhota e riem muito, felizes, dando palmadas nos compinchas e perguntando-lhes, face a um silêncio humanamente aceitável, se estão mal dispostos.

Apesar de tudo, um Bom Ano para todos os que me lêem com gosto, com raiva e desdém, ou com total indiferença.  Que tudo vos corra bem, mesmo que sejam gente contentinha.  E já agora, que o Costa vá à vidinha dele.

JdB

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