08 fevereiro 2022

Da redundância das preces

 PRECE

Meu Deus, aqui me tens aflito e retirado,
Como quem deixa à porta o saco para o pão.
Enche-o do que quiseres. Estou firme e preparado.
O que for, assim seja, à tua mão.
Tua vontade se faça, a minha não.

Senhor, abre ainda mais meu lado ardente,
Do flanco de teu filho copiado.
Corre água, tempo e pus no sangue quente:
Outro bem não me é dado.
Tudo e sempre assim seja,
E não o que a alma tíbia só deseja.

Se te pedir piedade, dá-me lume a comer,
Que com pontas de fogo o podre se adormenta.
O teu perdão de Pai ainda não pode ser.
Mas lembra-te que é fraca a alma que aguenta:
Se é possível, desvia o fel do vaso:
Se não é, beberei. Não faças caso.
     
Vitorino Nemésio, O Verbo e a Morte (1959)

***

Mais ainda, até os cabelos da vossa cabeça estão contados. (Lc, 12, 7)

Deus sabe tudo e pode tudo, é assim que aprendemos e crescemos. É omnisciente e omnipotente. Se assim for, porque lhe rezamos? Será que na verbalização de pedidos - Deus dá-me isto, Deus concede-me isto - não há uma certa redundância? Será que preciso de pedir a Deus para me ajudar numa decisão? Deus, sendo omnisciente, não saberá que preciso de ajuda para decisão? Se assim for, porque peço tantas vezes as coisas que Ele sabe que eu preciso?

JdB

1 comentário:

  1. Quando rezo converso com Deus. É uma intimidade estranha.
    E peço-lhe por aqueles que eu sei que estão mal — que os cure, que lhes alivie o sofrimento.
    Com a noção omnipresente de que Ele sabe tudo. Eu sou mais um nos pedidos.
    É raro mas, por vezes, peço-lhe por mim: sobretudo a Paz.
    Peço-lhe, diariamente, que dê paz na terra aos homens de boa vontade.
    Mais correcto para mim, uma 'seita' pede que Ele dê paz na terra aos homens que o amam.

    Abraço

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