Por inerência de funções assisto a muitas reuniões sobre a situação da comunidade da oncologia pediátrica na Ucrânia: evacuação, em primeiro lugar, para a Polónia onde é feita uma primeira triagem; as crianças em condições mais difíceis ficam na Polónia; as outras vão sendo encaminhadas para países europeus, mas também EUA e Canadá. Tal como já referi, neste estabelecimento ou noutro local, para Portugal não veio nenhuma criança. É certo que Portugal está longe e não é um centro de referência importante para nenhuma patologia. No entanto, o motivo principal para a não vinda de crianças é a burocracia portuguesa. Ao que parece, o governo requer a activação de uma protocolo burocrático europeu incompatível com situações de guerra (à luz do dia de hoje já só Portugal o requer) e, ao que parece, esse requisito prende-se com dinheiro: se se activar, vem dinheiro de Bruxelas; se não se activar, não vem...
As associações europeias de pais e doentes de crianças com cancro são incansáveis na recepção e no apoio a estas famílias: ajudam na organização dos transportes, na recepção e encaminhamento das famílias, na entrega de bens essenciais - por vezes uma simples escova de dentes; garantem tradutores, apoio psicológico, informações básicas. E asseguram comida, o que gera curiosidades culturais. Na Suiça assegurou-se refeições para muita gente: arroz, massa, bulgur, vegetais. Mas o que as famílias querem é batatas, que é isso que comem... Enfim, estamos sempre a aprender.
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Todos nós já ouvimos pessoas dizerem que, ao dedicarem-se a uma determinada actividade, perderam uma parte significativa da sua vida pessoal. So many good things in life I overlooked, cantaria Bob Dylan (frase que ouvi ontem). São médicos, investigadores, exploradores, profissionais de misteres muito específicos. Perdem o crescimento dos filhos, o amor das pessoas com quem vivem, a vida social, os cinemas ou os concertos ou as exposições. O que perdem situa-se em muitas áreas; o que ganham é numa área só. Faz sentido fazer uma contabilidade? Entre o crescimento dos filhos ou uma inovação médica que altera a vida a muitas pessoas, o que tem mais peso? Entre uma vida social ou uma exploração a um local inóspito, o que se escolhe? Entre um casamento ou uma volta ao mundo sozinho num barco à vela, para que pende a nossa balança?
Talvez a resposta seja aquilo que já aqui referi esta semana: depende...
JdB
Não acredito que dependa, a não ser da vontade do interveniente... isto é, é uma questão de definição do que é prioritário para cada um. Há quem viva para salvar o mundo, há quem viva para salvar os que lhe são próximos. Nenhuma será mais válida que outra, desde que sejamos verdadeiros connosco e com aqueles a quem prometemos fidelidade, afeto ou uma vida familiar próxima e equilibrada.
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