25 agosto 2022

Dos casais que se imaginam maçados

 Comecei a viajar pelos meus 16 anos, talvez. Ia para casa de amigos e, por isso, fazia muito a vida que eles faziam: praia, jantares em casa de outras pessoas, passeios aqui e ali. Quando comecei a viajar sozinho - por altura dos 20 anos, talvez -  encetei o tempo dos museus. Fiz o interrail e outras viagens numa vertente muito cultural, pois passava os dias a ver exposições. Quando percebi que a cabeça já confundia tudo, e não me lembrava do que tinha visto em Viena ou se um determinado quadro estava em Florença, atirei-me para as esplanadas ou para outros sítios onde pudesse observar o próximo. Queria ver gente: as pessoas individuais a lerem um livro ou uma revista, grupos numa dinâmica própria, casais a interagirem. Não me interessava saber ou conhecer, porque não consigo adivinhar a vida das pessoas. Mas interessava-me, isso sim, imaginar: quem são, o que fazem, o que as motiva, com que choram ou com que perdem a cabeça, de que forma amam ou odeiam. 

Há cerca de 30 anos, Martin Parr fotografou um conjunto de casais, tendo essas fotografias sido publicadas no seu livro Bored Couples (Galerie du Jour Agnès B., 1993). Nada o ligava às pessoas fotografadas. Olhei para as fotografias e vi-me atrás da lente com que ele viu as pessoas que eu via nas esplanadas, nos restaurantes, sentadas numa fonte no meio de uma praça ou nas escadarias de uma rua movimentada. Não sabia se o olhar de paixão era paixão, se a ideia de um feitio violento ou manso pela linguagem corporal era isso ou uma insegurança; não sabia se uma boa sensual e semi-aberta para uma companhia do lado de lá de uma mesa não seria apenas sarcasmo ou antevisão de uma infidelidade. 

Ver as fotografias de Martin Parr (há mais aqui) é ver tudo, porque é imaginar tudo. 

JdB






1 comentário:

  1. Expressões que, graças a Deus, nunca vi na minha Família. Fui abençoado pelo Senhor Deus do Universo.
    Não nego que existam infelicidades. Mas só as senti "ao longe".

    Abraço

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