Não vou falar do meu pendor monárquico que é moderado, tal e qual o que devoto ao Sporting: gosto, revejo-me, defendo, sou crítico, por vezes muito crítico. Isto aplica-se ao meu clube de eleição, como se aplica ao meu regime de eleição. Num e noutro caso não o sou cegamente. No caso da monarquia, tenho um respeito (quase) incondicional pelo pretendente. Os parênteses é uma tentativa de estabelecer um compromisso entre o ideal e o real. Defendo o ideal monárquico, mas não consigo ser indiferente à pessoa que, num dado momento, o representa.
Assisti à coroação de Carlos III. Fui sempre uma das pessoas que não alinhou na ideia (para mim estapafúrdia) de saltar de Isabel II para William qualquer coisa (não sei que algarismo será) sem passar por Carlos II e - numa graça de Monopólio - não pagar a portagem. Não falamos de um mentecapto, de um aldrabão, de um incapaz. Falamos de um homem bem preparado, com características próprias, que defendeu ideias muito à frente do seu tempo. Um home, talvez, pouco popular e desamado por via da sua vida sentimental. Porém, não o coroar rei seria uma aberração num país onde a tradição ainda é o que é.
Segui a cerimónia pela BBC. Uma reportagem irrepreensível, cheio de bom gosto e sobriedade, para além de uma enorme precisão informativa. Não fiquei fã de algumas peças escolhidas por Carlos III, mas isso é um pormenor. Nesses momentos em que se ouvia a música, sem qualquer comentário adicional, fiz zapping para a SIC ou TVI / CNN. Terror dos terrores - estavam sempre a falar, sempre a debitar informação ou ideias, ou opiniões. em momento algum podia haver espaço para o silêncio e para o desfrute das imagens / som. Aposto que mencionaram os aspectos mais sórdidos das vidas deste e daquele, acrescentaram pormenores de duvidoso interesse. E nunca - mas nunca! - se calaram.
Nada tenho a dizer sobre a cerimónia, que foi um primor de beleza, de tradição, de bom gosto, de atenção ao pormenor. Nada se faz por acaso, nada se diz por acaso, tudo tem uma razão de ser. Curiosidade (ou talvez não): todas as intervenções discursivas (com excepção das totalmente religiosas) têm por detrás o "dever". A palavra "dever" é usada para tudo - pede-se ao rei que exerça o dever, o rei compromete-se a exercer o dever. A ideia de serviço está escarrapachada em tudo.
Termino com um desvario linguístico (que espero não ser errado): a origem etimológica da palavra ministro é servidor. O ministro serve; em Portugal o ministro serve-se. A diferença está num hífen e em duas letrinhas...
JdB
Claro que não é um desvario. No grego da Antiguidade, ministro significava servidor.
ResponderEliminarAbraço
Pois eu não tenho pendor. Sou mesmo monárquico! Dever, representação, símbolo da nação no seu todo, independência face ao poder político eleito e por aí fora. Mas há um problema... estamos em Portugal, numa república... e nada pior que pretendentes eventualmente preparados e pretensos monárquicos que mais não são, na sua grande maioria, do que pedantes insuportáveis e ignorantes. Sim, sou monárquico e dou-me com muitos que comungam comigo longos desabafos, idênticos aos meus… na maioria são agricultores que, orgulhosamente, resistem; muitos deles nordestinos. Não voto em presidenciais, embora já tenha prevaricado algumas vezes, tendo-me arrependido logo de seguida. E também não sou indiferente a quem, a cada momento, possa vir a assumir o desígnio... sou um monárquico, que vivo sem rei, sem reino e sem qualquer tipo de paciência para o que me rodeia em termos de representação eleita, neste cantinho a que chamo Pátria. Estamos em república há mais de 100 anos e, caro JdB, continuo a pensar que esta triste sina com que somos confrontados diariamente seria substancialmente diferente caso tivéssemos uma Monarquia em que a palavra “dever” fosse praticada… assim uma espécie de sebastianismo, se bem me faço entender... o resto, é uma espécie de reduto romântico que vai no íntimo da minha alma. Abraço
ResponderEliminarCaro Anónimo: Obrigado pela confirmação de que o meu desvario linguístico estava certo.
ResponderEliminarCaro Laurus Nobilis: obrigado pelo seu extenso, genuíno (porque o conheço a si) e acertado comentário. Percebo e solidarizo-me com a sua (e perdoe-me o calão) descarga de bílis. Ainda há mito monárquico que olha para o nome, mais do que para o ideal; procura uma consoante dobrada, quando devia procurar um esforço redobrado; ainda não percebeu que ser-se conde, marquês ou dom é uma responsabilidade, não um direito. E não percebe que a essência da monarquia não é essa. Não que não devam / possam existir títulos que enchem de orgulho histórico um dos bafejados por essa herança. Mas não é disso que se trata. Do que se trata - e cito-o - é do "dever, representação, símbolo da nação no seu todo, independência face ao poder político eleito e por aí fora." Mas, e aí é que a porca (me) torce o rabo, é preciso acreditar no pretendente. E isso daria pano para mangas.
Bom dia. No universo que conheço, os que têm algum tipo de título e que legitimamente se orgulham de tal, não são o problema. A questão reside sobretudo ao nível dos pretensos seguidores da causa monárquica que, deseducados em república, são para esquecer; em regime monárquico, a realidade seria outra. Quanto ao pretendente, as centenas de anos que Portugal teve de monarquia ensinaram-nos que o regime sempre encontrou soluções para os menos aptos e para os traidores, às vezes pouco ortodoxas é certo, mas houve males que vierem por bem. Já tenho saudades de uma tertúlia...
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