FESTA DO CORPO DE DEUS SOLENE E SALEROSA
Na antiga capital da Hispânia visigoda e depois da Espanha imperial (1519-61), por ordem de Carlos V – a Festa Corpus Christi é comemorada com especial pompa, preparando-se cada rua, cada casa, cada janela de Toledo, para homenagear a passagem da magnífica custódia do século XVI, que leva a hóstia consagrada. Feita pelo grande ourives Enrique de Arfe, é uma joia com 183kg de prata e 18kg de ouro. Percebe-se o antigo dito popular espanhol: «Há três quintas-feiras mais reluzentes que o sol — Quinta-feira Santa, Corpus Christi e Ascensão”.
Este ano, Toledo já entrou em contagem decrescente para esta grande Quinta-feira, engalanando varandas e janelas com panejamentos de encarnados fortes junto à catedral, enquanto dos varandins das casas particulares pendem mantas ricamente bordadas e de mil tons, a par de grinaldas e bandeiras, além de vasos e cestos repletos de flores, que perfumam o ar. Cobrem as ruas mais importantes antigos toldos de lona, de fundo branco bordados com brasões ou armas episcopais, cedidos pelas confrarias de tecelões.
Preparativos para a Festa de 2023 |
A própria catedral gótica é revestida com 48 faustosos tapetes flamengos mostrando alegorias eucarísticas, tecidos no século XVII para esta ocasião. Na porta do templo com a Virgem Branca, a imagem de pedra resplandece ladeada pelas grandes tapeçarias.
Tapeçarias flamengas nas paredes da Catedral. |
Tudo na cidade edificada sob o cume da colina e bordejada pelo Tejo concorre para dar cor às pedras antigas das suas edificações centenares. Os toledanos, à espanhola, trajam de festa ajudando a dar pompa à grande homenagem desta Quinta – já amanhã.
Mais preparativos, nesta semana. |
A procissão começa após a Missa Pontifical decorrida na catedral gótica e apenas participada pelos membros do cortejo (meio Toledo) e pelos convidados de honra, por restrições de espaço. A outra metade de Toledo e milhares de turistas acumulam-se pelas ruas a aguardar a passagem do Corpo de Deus.
Do lado de fora do templo, um silêncio expectante prepara-se para a saída do cortejo pela Porta Plana da catedral, anunciada por salvas de 21 tiros de canhão (as que são devidas aos reis) e pelo repique esfusiante dos sinos. A multidão aplaude com entusiasmo e a banda entoa a «Marcha Real», enquanto a Procissão avança calmamente, saboreando cada passo, envolta por nuvens de incenso.
A abrir o desfile vem a cavalaria da Guarda Civil, seguida da sua banda musical abrilhantada pelos timbaleiros da Prefeitura. Segue-se o mestre de cerimónias trajado de festa em cor preta e empunhando uma vara da altura da custódia do Santíssimo Sacramento, usada na véspera para marcar o espaço que teria de ficar vago nas ruas de Toledo. Irá depois a magnífica cruz processional do século XV, que pertencera a Rei Afonso V de Portugal, o Africano, podendo ter chegado à corte espanhola como presente.
O desfile inclui uma fila ao meio com os capelães ou sacerdotes ou dignitários de cada irmandade, levando o báculo ou o estandarte ou os pendões identificativos. De cada lado, são ladeados por duas filas paralelas de outros membros do cortejo.
A rica custódia com o Santíssimo Sacramento é transportada numa carruagem coberta de flores e escoltada pelos cadetes da Academia de Infantaria, que se celebrizaram pela defesa do Alcazar de Toledo contra a agressão comunista (1936), durante a sangrenta Guerra Civil espanhola. Atrás, seguem as mais altas dignidades: o Arcebispo-primaz de Toledo com seu séquito, depois as autoridades regionais e provinciais, o prefeito da cidade e o corpo docente da Universidade. No final, vem a Companhia de Honras da Academia de Infantaria e a sua banda musical.
Como programa complementar da procissão, há a possibilidade de visita aos pátios das principais casas toledanas. |
A cidade aconchegada entre as muralhas medievais e o curso do rio muito azul transborda de gente, que acompanha em silêncio o percurso da custódia, num ambiente de oração invulgar para grandes ajuntamentos. Assim se repete a excepcionalidade que se vive no Santuário de Fátima.
Quando na Europa do século XIII emergiram as celebrações públicas para reconhecimento da presença de Cristo na hóstia consagrada, o Papa Urbano IV decidiu estender a toda a Igreja a festa do Corpo de Deus, encomendando a S.Boaventura e a S.Tomás de Aquino textos solenes para a efeméride. Diz a tradição que, quando começou a ler em alta voz o ofício composto pelos dois santos, rasgou o que tinha escrito. É da autoria de S.Tomás a letra de «Panis Angelicus», que corresponde à penúltima estrofe do hino «Sacris solemniis», escrito para a Festa de Corpus Christi e aqui interpretado no dueto memorável de Sting e Pavarotti:
Muito Bom. Sem alguma dúvida.
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