16 outubro 2023

Crónica de um viajante no Canadá (II) - a comunicação

 Já aqui o referi: quando comecei a frequentar estas conferências mundiais sobre oncologia pediátrica, o lado emocional era muito forte. Algumas organizações estavam a começar a dar os seus primeiros passos, e nasciam, tantas e tantas vezes, do impulso angustiado ou esperançoso de Pais que tinham ouvido o terrível diagnóstico - o seu filho tem cancro. Hoje, como me disse um médico indiano que vou conhecendo de reuniões, já se fala mais de soluções do que de problemas. E isso é bom. 

Muito dinamizado por uma colega chilena do Board - mãe de um sobrevivente - começamos a falar de linguagem. Os jovens sobreviventes de cancro não gostam de ser chamados de sobreviventes; alguns pais - em bom rigor, muita gente ligada a esta área - não gostam de uma terminologia com contornos militares: combater o cancro, ser herói, vencer ou perder a guerra, força, coragem. Uma criança que morre de cancro não perde uma guerra - quem perde essa guerra são os médicos, a técnica, a ciência, que ainda não descobriu cura para tudo isto. Uma terminologia de motivação do tipo és forte, vais vencer, és um herói... seja aplicado a Pais ou doentes coloca um peso demasiado em cima destes protagonistas. Alguns só querem sofrer, só querem que lhes reconheçam a vulnerabilidade humana, só querem chorar de dor e angústia. só querem encolher-se a um canto. 

"Cancro" (e uso a palavra, opor isso entre aspas) é uma palavra forte. Usa-se cancro como metáfora para os parasitas da sociedades, para as pragas, para os inimigos, para as chagas do mundo moderno, para a inflação. Podemos dizer que os terroristas são o cancro da sociedade, mas ninguém diz que os terroristas são a diabetes da sociedade. 

Falamos de linguagem, de matáforas, de comunicação entre médicos e pacientes / cuidadores. Percebemos que o mundo é um lugar estranho quando ouvimos o que um médico disse a uma mãe dos Camarões que tinha um filho com cancro. A imagem explica tudo...


  Como se diz a uma mãe de uma criança com cancro que ela está a ocupar desnecessariamente uma cama, porque não há nada a fazer?

JdB

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