Recorro sem pudor ao lugar-comum: toda a crise - seja pandemia ou guerra - gera uma casta de notáveis que se destacam dos que já são notáveis. Eu explico: se vivermos um ano em paz e saúde, seremos agraciados, numa base diária, com a casta dos comentadores. São ex-ministros, ex-diplomatas, deputados, analistas políticos, investigadores. É um grupo de iniciados que entrega, a quem os quer ouvir, a pérola da sua sapiência, da sua argúcia, da sua leitura dos tempos e dos modos,
O surgimento de uma pandemia ou de uma guerra - sendo ambas uma excrescência da modorra dos dias - acrescenta uma nova casta de notáveis à já existente casta de notáveis: são os especialistas. O especialista está um grau acima do comentador. Não se limita a comentar - é especialista na matéria que comenta; sabe mais de um determinado assunto do que aqueles que sabem tudo de todos os assuntos.
A guerra à pandemia abriu as portas do televisor a este grupo de pessoas: havia especialistas em virologia, em emergência médica, em saúde familiar, nisto e naquilo. Habituado que estou à designação especialidade quando se fala de médicos, não estranhei. Por sinal, estes especialistas eram todos médicos que, presumo, tenham formação específica nestas áreas.
A guerra da Ucrânia - e agora a do Médio Oriente - abriu-me os olhos para novas especialidades: todos os dias aparecem pessoas - civis ou militares - especialistas em geopolítica, geoestratégia, em assuntos militares, em relações internacionais, nisto e naquilo. Sem qualquer desconfiança da sabedoria desta casta de notáveis, o que faz deles especialistas? É um (ou vários) cursos de formação, é uma passagem pela faculdade, é um grau académico, é uma pós-graduação? Há um curso chamado assuntos militares que produza especialistas?
Na outra ponta do espectro estão os comentadores de futebol. Ainda que sejam especialistas em diversos assuntos, que vão das características de um médio-ala ao controlo do banco de suplentes, passando pela teatralidade das quedas sem contacto, nunca passam de comentadores. Podem ter cursos homologados, podem ter passado pela escola da vida ou pela faculdade do relvado que nunca serão especialistas. Num canal como a SIC ou como a TVI / CNN é-se especialista em geoestratégia. Na CM TV é-se comentador do balneário.
O que marca a diferença?
JdB
Despeço-me de si. Já não tenho pachorra para o que escreve.
ResponderEliminarAbraço
ao
Caro ao,
ResponderEliminarÉ sempre um gosto lê-lo, e já não é a primeira vez que mimoseia este estabelecimento com as suas pérolas de acidez incontida. Volte sempre, que este estabelecimento é um albergue espanhol: são todos bem-vindos desde que tragam farnel.