05 dezembro 2023

Das histórias

 

Drawing Hands, 1948 - M.C. Escher

No seu livro The Wounded Storyteller [o contador de histórias ferido] Arthur W. Frank diz no seu prefácio: [O] contador de histórias ferido é aquele que sofreu e viveu para contar a história. O sofrimento não desaparece por magia quando a história é contada, mas quanto mais histórias eu ouvia menos espaço parecia ocupar o meu próprio sofrimento. Sentia-me menos sozinho. 

Porque contamos histórias? Por vários motivos: 

  • porque transformar a doença ou o sofrimento numa história significa transformar o destino numa experiência; 
  • para construir novos mapas e novas percepções da relação do contador de histórias com o mundo. De alguma forma, as histórias têm de reparar o dano que a doença ou o sofrimento provocou; 
  • São uma forma de encontrar novos destinos.  
  • Para guiar os outros. Nenhum contador de histórias (e cito alguém cujo nome desconheço) faz “receitas de cozinha para as tascas do futuro”, mas dão testemunho da experiência da construção do seu novo mapa. 
  • Por último, mas não menos importante, para dar voz a uma experiência que a medicina (quando são casos de doença) não consegue descrever.

Num artigo intitulado The Teller and The Listener [o contador e o ouvinte] diz Teresa Casal: [P]ois, como nos lembra Arthur W. Frank em King Lear: Shakespeare’s Dark Consolations, o contador de histórias ferido requer um leitor vulnerável. Na verdade, para que a comunicação aconteça, quem fala precisa de um ouvinte. É certo que o primeiro ouvinte da história é o narrador – escrever a partir do coração do caos pode ajudar a organizar esse caos, torná-lo inteligível para si mesmo e comunicável aos outros (sublinhado meu). 

O desenho de M.C. Escher é a ilustração da frase de Teresa Casal que eu sublinhei. Um olhar imediato vê um desenho intrigante ou criativo. Mas há, neste desenho, uma circularidade mais interessante. Há uma mão que desenha a mesma mão que desenha a mão. O desenho é a metáfora para a fase em que o contador de histórias ferido conta a história a si próprio. A voz que fala é a voz que ouve que também é a voz que fala. Em bom rigor as duas mãos não desenham, estão a organizar o caos.

JdB 

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