29 abril 2024

Duas últimas

Penso que já contei esta história neste estabelecimento. Em 2002, no decurso do meu primeiro congresso internacional de oncologia pediátrica (Porto) durante o qual fiz a minha primeira intervenção pública a falar do caso que me tinha tocado à porta, ouvi o testemunho de uma sobrevivente, talvez com 15 ou 16 anos. Disse ela (e não cito de cor, mas o espírito era este): se tivesse de escolher, queria passar por tudo outra vez. A frase chocou-me e lembro-me de ter dito a quem estava ao meu lado: e será que os Pais quereriam passar por tudo outra vez? 

Eu imagino o que está por detrás desta frase. Quem passa por um processo destes na idade da adolescência vive tempos intensos de descoberta, de procura de sentido, de sofrimento transformado em força, de luta e conquista. O curioso é esta sobrevivente, que não me lembro de ter visto mais alguma vez, se cruzar de forma importante e próxima com uma parte da minha família mais directa. Ou seja, passados mais de 20 anos o caminho desta sobrevivente cruza-se com quem me é próximo, e a expressão "cancro infantil" adquire uma dimensão emocional diferente.

Contava este episódio a uma querida amiga, neste último sábado. Falávamos de sincronicidade, de Jung e das coincidências significativas, de serendipismo, dos acasos que nos mudam ou nos iluminam ou nos fazem sorrir. E esta amiga falou-me desta música de Serge Reggiani, que eu não conhecia. A letra, que coloquei abaixo, fala disto: se eu voltasse atrás no tempo queria ser tudo o que fui, ter passado por tudo o que passei, ter vivido a esperança e desespero que vivi. 

Lembro-me da frase da sobrevivente que agora se cruza com a minha família. Talvez ela tivesse gostado de cantar a música do Serge Reggiani, ou ter feito dela o seu hino. Isto foi há quase 22 anos; não sei se ela hoje ainda diria a mesma frase. Talvez lhe pergunte um dia.

JdB

Si c'était à recommencer

Si c'était à recommencer?Si je devais refaire ma vie?Je voudrais naître en Italie?Au mois de mai?Je voudrais être ce gamin?Qui courait pieds nus au soleil?Parmi les chèvres et les abeillesNe changez rien
Si c'était à recommencerDans un monde à feu et à sangJe voudrais être l'émigrantQue j'ai étéJ'aim'rais repasser la frontièreEt sans capuche ni manteauRedébarquer à YvetotUn soir d'hiver
Si c'était à recommencerJ'aim'rais un jour avoir vingt ansEtre con et perdre mon tempsDans les cafésJ'aimerais traîner mes illusionsDans des décors de cinémaMême s'il faut avoir l'estomacDans les talons
Si c'était à recommencerJ'aim'rais revoir tous mes amisMême celui qui m'a trahiC'est oubliéJe voudrais revivre ces heuresD'espérance et de désespoirCes nuits blanches et ces matins noirsUn vrai bonheur
Si c'était à recommencerJ'aim'rais aimer les mêmes femmesJe ne veux pas saouler mon âmeD'autres baisersJe voudrais qu'il ne manque pasUne larme, une déchirureAu revers de mes aventuresMea culpa
Si c'était à recommencerJ'aim'rais habiter le MidiY passer dix ans de ma vieÀ tes côtésJe voudrais avoir cinq enfantsPas un de plus, pas un de moinsEt les revoir tous un à unPrendre le vent
Si c'était à recommencerJe suivrais le même cheminJe manquerais les mêmes trainsSans un regretJe voudrais ne rien effacerDe mes joies, de mes solitudesQu'on n'oublie pas une virguleÀ mon passé...

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