Penso que já contei esta história neste estabelecimento. Em 2002, no decurso do meu primeiro congresso internacional de oncologia pediátrica (Porto) durante o qual fiz a minha primeira intervenção pública a falar do caso que me tinha tocado à porta, ouvi o testemunho de uma sobrevivente, talvez com 15 ou 16 anos. Disse ela (e não cito de cor, mas o espírito era este): se tivesse de escolher, queria passar por tudo outra vez. A frase chocou-me e lembro-me de ter dito a quem estava ao meu lado: e será que os Pais quereriam passar por tudo outra vez?
Eu imagino o que está por detrás desta frase. Quem passa por um processo destes na idade da adolescência vive tempos intensos de descoberta, de procura de sentido, de sofrimento transformado em força, de luta e conquista. O curioso é esta sobrevivente, que não me lembro de ter visto mais alguma vez, se cruzar de forma importante e próxima com uma parte da minha família mais directa. Ou seja, passados mais de 20 anos o caminho desta sobrevivente cruza-se com quem me é próximo, e a expressão "cancro infantil" adquire uma dimensão emocional diferente.
Contava este episódio a uma querida amiga, neste último sábado. Falávamos de sincronicidade, de Jung e das coincidências significativas, de serendipismo, dos acasos que nos mudam ou nos iluminam ou nos fazem sorrir. E esta amiga falou-me desta música de Serge Reggiani, que eu não conhecia. A letra, que coloquei abaixo, fala disto: se eu voltasse atrás no tempo queria ser tudo o que fui, ter passado por tudo o que passei, ter vivido a esperança e desespero que vivi.
Lembro-me da frase da sobrevivente que agora se cruza com a minha família. Talvez ela tivesse gostado de cantar a música do Serge Reggiani, ou ter feito dela o seu hino. Isto foi há quase 22 anos; não sei se ela hoje ainda diria a mesma frase. Talvez lhe pergunte um dia.
JdB
Si c'était à recommencer
Lindo!
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