10 julho 2025

Dos abismos

Paredão do Estoril, um dia destes pelas 7.30h da manhã

A vida é uma casa com duas portas. Há uns que entram e que têm medo de abrir a segunda porta. Ficam girando, dançando com o tempo, demorando-se na casa. Outros se decidem abrir, por vontade de sua mão, a porta traseira. Foi o que eu fiz, naquele momento. A minha mão volteou o fecho do armário, a minha vida rodeou o abismo. 

Mia Couto

***

Li esta frase, que me foi enviada por uma mão quase desconhecida, há muitos anos. Regresso ao pensamento volta e meia, não apenas para lembrar tempos que já foram, mas para lembrar tempos que são, ou serão.  

O que é o abismo que a nossa vida deve rodear? Anteontem conversei com duas pessoas diferentes sobre gratidão, sobre a importância de agradecer, não só a cortesia do obrigado a quem nos serve um café ou segura uma porta, mas a a cortesia da amizade em tempos difíceis, a cortesia da presença firme e segura, mesmo que nem sempre manifestada da melhor forma, a cortesia de um conselho que faz repensar o caminho. Ontem ouvia um podcast de um jovem chileno de quem sou amigo e que resistiu a 3 ou 4 cancros diferentes quando tinha meia dúzia de anos. Consciente de que a sua sobrevivência deve muito à sorte, pois pôde ser tratado nos EUA, dizia em resposta à pergunta quais são as tuas prioridades? que era importante devolver la mano

Os abismos da nossa vida nem sempre são mortes, perdas afectivas, desempregos, doenças incuráveis. Esses são abismos, mas há mais: a ausência da gratidão, o excesso de palavras críticas, o orgulho constante, o negativismo permanente, a incapacidade do perdão, o horror à escuta. Tenho, como muitos dos que me leem, a minha dose de abismos mais ou menos dramáticos - perdas, rupturas, pedidos de desculpa que faltaram a quem já não pode ouvi-los. Os outros, porém, continuam por cá, e é preciso enfrentá-los e dizer-lhes que não todos os dias, em função desta certeza, também, de que a vida é precária. E por vezes enevoada. 

JdB

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