19 agosto 2025

Onde está Deus nestes dias?

Escrevi, no passado dia 4 de Novembro, um texto (pode ler-se aqui) em que os protagonistas, para além de mim, eram três mães que se tornaram minhas amigas: uma grega, que perdeu um filho, e duas outras, uma chilena e uma australiana, cujos filhos sobreviveram a um cancro enquanto crianças. No domingo recebo uma mensagem com carácter de urgência de uma delas: o marido da Kate (australiana) morrera inesperadamente durante o sono. A Kate anda à roda dos 50 anos e tem filhos menores (a mais velha andará pelos 18, se tanto) um dos quais com limitações. 

Por onde quer que se olha para este evento, qualquer que seja a forma como se olha, só se lerá uma palavra: tragédia. Habituado que estou a uma comunidade que aprendeu a tirar um sentido para aquilo que lhe acontece (o sofrimento e por vezes a morte de filhos pequenos para um cancro) não consigo ver nada nesta morte, a não ser a repetição das palavras da Bíblia - vigiai, porque não sabeis dia nem hora - para daí reforçar a ideia de que temos de ter a nossa vida resolvida, sobretudo com aqueles que nos estão mais próximos. Fora isso, nada: nem uma história para contar, nem um ensinamento enriquecedor, nem um momento de inspiração. A ela, depois de um filho pequeno com cancro e uma viuvez precoce, talvez só lhe ocorram as palavras de Bento XVI em Auschwitz-Birkenau: onde estava Deus naqueles dias?

Curiosamente - presumindo que a minha tese não tem importância suficiente para confirmar a ideia Jungiana de coincidência significativa - estou de volta de um capítulo intitulado Sofrimento e Deus. Explicado de forma simplista aqui, nele discorro sobre a forma de conciliar a ideia de um Deus omnipotente e bondoso com a existência do sofrimento de gente inocente, como crianças. Se Deus é bom, como é possível que crianças sofram ou morram? Se Deus é infinitamente bom, como é possível que o marido da Kate tenha morrido, deixando-a viúva e com quatro filhos menores? 

Até onde sei, esta minha amiga australiana está afastada da igreja anglicana, ou nunca esteve muito próxima. Talvez por isso não seja atormentado por esta pergunta existencial de Bento XVI que permanece sem resposta visível, a não ser no coração de cada um. Ou, talvez também por isso, não encontre desconsolo nas frases que se dizem (o paraíso, está num lugar melhor, Deus só dá o que podemos aguentar, etc.) e que nada acrescentam a quem sofre uma perda brutal. Talvez não haja palavras certas para consolar alguém nestas condições. Talvez apenas manifestar uma presença, uma compaixão, e rezar para que a vida retome a normalidade possível com a brevidade possível. 

Onde está Deus nestes dias? é uma pergunta legítima que não sei se se fará do outro lado do mundo. A forma como se responde marcará o ritmo do trabalho de luto da Kate e dos filhos. 

JdB 

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