As melhores viagens são, por vezes, aquelas em que partimos ontem e regressamos muitos anos antes
19 novembro 2025
Vai um gin do Peter’s ?
O salero com que os brasileiros esgrimem a língua portuguesa, pondo-a a sambar, é só por si uma arte, que parece fadada para a música. A sua expressão é ritmada e de uma plasticidade que dança, configurando-se bem aos mais variados cambiantes emotivos. Soma ainda espontaneidade e uma ousadia cheio de cor, sem medo das palavras e da exposição pessoal, que lhe permite resvalar com naturalidade para a explosão de expressividade que a arte procura. Até a toada de vogais abertas e “r” menos carregados lhe acentua o estilo cantante.
Compreende-se por que no Hemisfério Sul a música brasileira se destaca, desde os tempos míticos da Bossa Nova. No rol dos melhores compositores, Lô Borges (1952-2025, 2.Nov.) é incontornável, a par do seu amigo Milton Nascimento e de tantos outros da sua geração. Baladeiro doce e poético, Lô deixou um legado de poemas cantados, que vale a pena recordar, começando pelo videoclip de «Clube da Esquina nº2 (…) Porque se chamavam homens / também se chamavam sonhos / e sonhos não envelhecem», transfigurado em banda sonora do magnífico filme de Diego Reigoto, um virtuoso da BD!
Nascido Salomão Borges Filho, em Minas Gerais, Lô fundou o Clube da Esquina, que marcou para sempre o pop brasileiro. Assinou composições famosas – “Paisagem da Janela”, “Para Lennon e Mc’Cartney”, “Trem de doido”, “Trem Azul”, etc. – a que tantos deram voz, de Tom Jobim a Elis Regina ou Elba Ramalho, Flávio Venturini, Beto Guedes e, claro, Milton Nascimento, co-autor de algumas obras. Um pequeno aperitivo:
Lô provinha de uma família numerosa das imediações de Belo Horizonte, sendo o sexto de onze irmãos. Desde cedo, mostrou paixão pela e talento para a música, tocando violoncelo, piano e vibrando com o som dos Beatles e do jazz norte-americano, até ser descoberto por Milton, que o convidou a mudar-se para o Rio. Ali estiveram uns meses, seguindo depois para Niterói.
A inspiração transbordante de Lô foi notada pela Odeon, que o convidou a gravar a solo. Assim surgiu o «Disco do Ténis», imortalizado pelo par de Adidas na capa. Inquieto e algo nómada por dentro, rapidamente abalou para novas paragens, mergulhando numa fase hippie, de onde só reapareceu em 1978 com o álbum “Clube da Esquina 2”. A produção artística continuou irregular, oscilando entre picos e pausas prolongadas. Em 2003, ressurgiu e fez sucesso com «Dois Rios». Depois, voltou a deambular entre colaborações avulsas com bandas amigas.
Apesar da sua vida errante, em termos profissionais, é considerado uma referência maior na música popular do Brasil, pela forma como influenciou as gerações posteriores. Certo mesmo é ter conseguido impregnar a música de poesia, nunca cedendo a letras pobres, reféns de rimas fáceis e das fórmulas da moda.
Ainda uma dica para os presentes de Natal: até 14 de Dezembro, a Festa do Livro aterra no Museu do Oriente, com boas sugestões para animar os serões caseiros do Inverno. O programa inclui conversas com escritores, lançamento de livros, exposições temáticas e um horário mais longo, às Sextas (até às 20h00;
O clima ameno do nosso país, bem podia permitir a escolha original da adolescente indiana na gravura acima, entretida a ler, enquanto passeia. Exceptuando a praia, não estamos habituados a ler ao ar livre, em espaços públicos, menos ainda a andar. O teste do algodão do sol fabuloso da nossa terra é comprovado no diálogo entre um catedrático de Economia da Nova SBE e uma estudante alemã, quando revelou ao professor o principal motivo por que escolhera fazer o mestrado em Portugal, à semelhança de muitos outros alemães (a maior percentagem de estrangeiros na Nova de Carcavelos): ‘consultei no Financial Times o ranking das melhores universidades e parei na primeira que ficava num país de sol! Era a Nova SBE. Ficar ao pé da praia foi um brinde!’ Tendemos a dar por adquirido este ‘jardim à beira-mar plantado’, que é uma raridade e uma preciosidade no planeta Terra. Segundo um especialista de turismo anglo-americano, é um dos segredos mais bem guardados da Europa do Sul…
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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