22 outubro 2024

Dos preconceitos e do Hawaii

Gosto da ideia de preconceitos. Não porque ser preconceituoso seja bom, mas porque ser preconceituoso abre lugar à inteligência: ou se percebe que o preconceito faz sentido e isso é uma prova de inteligência - ou de necessidade de sobrevivência - ou se percebe que o preconceito não faz sentido e abre-se uma via para a redenção. 

Fui educado no preconceito contra a gente que maça; isto é, as pessoas podem ser feias, gordas, atarracadas e até estrábicas - não podem é maçar o próximo, sendo que o próximo somos nós próprios. Noutras casas que conheci bem, o preconceito é estético; isto é, as pessoas podem maçar o próximo, contar histórias com detalhes que nada acrescentam à narrativa, suscitar hipotensão no interlocutor - não podem é ser feias, gordas, atarracadas e nem sequer estrábicas. Lembro-me de me contarem que uma pessoa deste segundo exemplo, trocando correspondência com alguém que nunca tinha visto, perguntou: fuma? É alto? Este preconceito é mais factual e, por isso, mais fácil de gerir: uma pessoa gorda avista.-se à distância e pode-se fugir dela; já uma pessoa maçadora requer um contacto e, só depois, se aquilatar da dimensão da tragédia. 

Ambos os preconceitos protegem quem os usa: fugir de gordos ou de maçadores pode ser um gesto de sobrevivência e, por isso, podemos classificá-los de inteligentes. O que derrota este argumento? A certeza de que por trás do horror à maçada ou à gordura há uma arrogância. Nunca conheci ninguém maçador que tivesse preconceito contra maçadores; e nunca conheci ninguém com um módico de excesso ponderal que tivesse horror aos gordos. Podemos ter horror àquilo que somos? Sim, podemos, mas não será saudável.

***

Koko Crater Arch Trail, Oahu (de acordo com o meu telemóvel), Outubro de 2024

A minha não vontade de ir ao Hawaii assentava num preconceito: é americano, não me interessa. Fui com vontade de exercer a minha inteligência e, como resultado, dizer cheio de alegria: enganei-me! Adorava voltar. Acontece que não é o caso. Gostei de ir? Sim, gostei? Gostava de voltar? Não me parece. E porquê? Talvez porque não seja suficientemente interessante para justificar a repetição. 

(Alguém me contou, e não afianço que a referência fosse esta, que fulano, ao ser-lhe perguntado o que tinha achado da Coreia do Sul, terá dito: é a Amadora em melhor.)

Honolulu é a Amadora em melhor? Não, é bastante mais do que isso. Mas não é suficientemente mais do que isso. Seguramente que o resto do Hawaii (ou apenas a ilha de Oahu, onde se situa a capital) tem paisagens muito bonitas. Mas a melhor paisagem de Honolulu são as ruas bonitas, largas, debruadas a lojas boas. O resto, diria eu com prudência, é muito americano, cheio de turistas americanos, de doses americanas, de carestia americana. Apesar disso, os locais são gente muito simpática, afável, calma, talvez cheios de uma delicadeza que lhes vem da Polinésia, não do Illinois. 

JdB

1 comentário:

R. disse...

Interessantíssima e muito bem escrita reflexão, na qual me revejo um pouco.

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