20 setembro 2024

Textos dos dias que correm

O Rigor e a Duração do Castigo

O rigor do castigo causa menos efeito sobre o espírito humano do que a duração da pena, porque a nossa sensibilidade é mais fácil e mais constantemente afectada por uma impressão ligeira, mas frequente, do que por um abalo violento, mas passageiro. Todo o ser sensível está submetido ao império do hábito; e, como é este que ensina o homem a falar, a andar, a satisfazer as suas necessidades, é também ele que grava no coração do homem as ideias de moral por impressões repetidas.

O espectáculo atroz, mas momentâneo, da morte de um criminoso, é para o crime um freio menos poderoso do que o longo e contínuo exemplo de um homem privado da sua liberdade, tornado até certo ponto uma besta de carga e que repara com trabalhos penosos o dano que causou à sociedade. Este retorno frequente do espectador a si mesmo: «Se eu cometesse um crime, estaria a reduzir toda a minha vida a essa miserável condição», - essa ideia terrível assombraria mais fortemente os espíritos do que o medo da morte, que se vê apenas um instante numa obscura distância que lhe enfraquece o horror.


Cesare Beccaria, in 'Dos Delitos e Das Penas'

19 setembro 2024

Poemas dos dias que correm

A OFICINA DE UM HOMEM

É um daqueles homens que tudo querem fazer sozinhos.
É preciso amá-lo por entre tubos, provetas e cadinhos,
e tudo o mais que estiver dentro e fora das gavetas,
já que, para ele, não existem peças obsoletas.
Brocas, martelos, alicates, pinças, cinzéis e luvas,
rolos de corda, molas e varetas de guarda chuvas,
tubos espremidos, colas secas e facas curvas,
frascos e frasquinhos cheios de substâncias turvas,
uma variedade de seixos, um íman, uma bigorna.
um despertado, uma pilha que o líquido entorna,
um besouro morto na saboneteira, um garrafão
com uma caveira que ele próprio pintou à mão,
tiras curtas e longas, tomadas, juntas, uma candeia
três penas de galinha d´água da Galileia,
umas quantas rolhas de champanhe presas em cimento.
duas lamelas chamuscadas no experimento,
uma pilha de ripas e lingotes, papelão e lanifício,
dos quais houve ou haverá suposto benefício,
alças para qualquer coisa, tiras de couro, um saco roto,
muitas chaves, alguns pregos e uma fisga de garoto.
Que tal, pergunto eu, deitar fora o velho berbequim?
O homem que eu amo olhou severo para mim.

Wistava Szymborska
Prémio Nobel de Literatura em 1996
(1923 - 2012)
In "Um Inconcebível Acaso"
(Tradução de Teresa Fernandes Swiatkiewiez) 

18 setembro 2024

Duas Últimas

Tenho de reconhecer que não conhecia - ou não me lembrava - da música Isn't it a pitty, até ter visto uma referência que lhe foi feita num post, no Linkedin, do meu amigo João Azevedo e Silva. 

A versão de George Harrison de Isn't it a pitty (George Harrison é o autor da música) tem pouco mais de 7 minutos.

 

Há ainda uma versão do Eric Clapton (à qual eu daria a medalha de prata, porque nunca fui um incondicional de George Harrison).

A versão da Nina Simone tem 11 minutos e é desaconselhada a quem, ou não gosta dela, ou acha que 11 minutos a ouvir(-lhe) uma música é auto-punição. No entanto, e apesar do virtuosismo da guitarra de Eric Clapton e da sua qualidade como cantor, a versão da Nina Simone está carregada de um tom de voz dramático, sofrido, pesado, que casa melhor com a música. Mas isso, como se costuma dizer, é a minha opinião...

Os heróis que oiçam as três versões. Se só quiserem atirar-se a uma, atirem-se à Nina, digo eu. Mas não digam que não vos avisei - são 11 minutos...

Isn't it a pity

you don't know what i'm talking about yet but i will tell you soon it's a pity isn't it a pity isn't it a shame yes, how we break each other's hearts and cause each other pain how we take each other's love without thinking anymore forgetting to give back forgetting to remember just forgetting and no thank you
isn't it a pity

(...)

Letra completa (que vale a pena ler) mais abaixo
 

JdB

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Isn't it a pity you don't know what i'm talking about yet but i will tell you soon it's a pity isn't it a pity isn't it a shame yes, how we break each other's hearts and cause each other pain how we take each other's love without thinking anymore forgetting to give back forgetting to remember just forgetting and no thank you isn't it a pity some things take so long but how do i explain why not too many people can see that we are all just the same we're all guilty because of all the tears our eyes just can't hope to see but i don't think it's applicable to me the beauty that surrounds them child, isn't it a pity how we break each other's hearts and cause each other pain how we take each other's love the most precious thing without thinking anymore forgetting to give back forgetting to keep open our door isn't it a pity isn't it a pity some things take so long but how do i explain isn't it a pity why not too many people can see we're all the same because we cry so much our eyes can't, can't hope to see that's not quite true the beauty that surrounds them maybe that's why we cry God, isn't it a pity Lord knows it's a pity mankind has been so programmed that they don't care about nothin' that has to do with care c-a-r-e how we take each other's love the most precious thing without thinking anymore forgetting to give back forgetting to keep open the door but i understand some things take so long but how do i explain why not too many people can see we're just the same and because of all their tears their eyes can't hope to see the beauty that surrounds them God, isn't it a pity the beauty that surrounds them it's a pity we take each other's love just take it for granted without thinking anymore we give each other pain and we shut every door we take each other's minds and we're capable of take each other's souls we do it every day just to reach some financial goal Lord, isn't it a pity, my God isn't it a pity, my God and so unnecessary just a little time, a little care a little note written in the air just the little thank you we just forget to give back cause we're moving too fast moving too fast forgetting to give back but some things take so long and i cannot explain the beauty that surrounds us and we don't see it we think things are just the same we've been programmed that way isn't it a pity if you want to feel sorry isn't it a pity isn't it a pity the beauty sets the beauty that surrounds us because of all our tears our eyes can't hope to see maybe one day at least i'll see me and just concentrate on givin', givin', givin', givin' and till that day mankind don't stand a chance don't know nothin' about romance everything is plastic isn't it a pity my God.

17 setembro 2024

Dos incêndios e dos versos

 

Tirado ontem de dentro de um autocarro

Fui convidado para ir ontem ao Porto fazer uma apresentação para médicos, maioritariamente europeus, especialistas em tumores renais em crianças ou adolescentes. Decidi ir de autocarro: apanhava o das 7.30h da manhã, regressaria em cima da hora de jantar - mais barato, moderadamente confortável, sem o inconveniente de uma viagem longa a olhar para a estrada.

O começo não foi auspicioso: num autocarro semi-cheio de gente em silêncio, uma senhora não parava de falar com o seu vizinho do lado, que ela só conhecera naquele momento. Só lhe ouvia o tom de voz e percebia palavras ou expressões como cheiro a mijo ou merda ou cócó. Fosse com o vizinho, fosse com o telemóvel, a senhora não se calava um minuto. À minha mente veio o fado que a Amália cantava: acho inúteis as palavras / quando o silêncio é maior.

Parámos em Leiria. A senhora entabulou conversa comigo fumando um cigarro castanho, potencialmente duvidoso - tu sabes que eu sou muito comunicativa, diria ela ao telemóvel - mas eu já a tinha tomado de ponta. Disse-me: sabe, toda a vida vivi em Cascais mas eu digo muitos palavrões. Não resisti ao remoque irritado e mentiroso: sabe, toda a vida vivi em Cascais e não digo palavrões

Foi então que percebemos que a viagem para o Porto estava periclitante: os incêndios no norte tinham cortado uma série de auto-estradas. E é nessa altura que, fruto de uma situação potencialmente perigosa, com um cheiro a queimado, se cria um micro-cosmos dentro do autocarro: há alguém que se queixa de falta de ar, a senhora dos palavrões empertiga-se e diz: tem uma bomba, você? Eu tenho asma, bronquite e enfisema nos dois pulmões. E ao referir dois pulmões aponta os ditos com a mão, não vá haver gente que não saiba do que ela está a falar. Paramos, fugimos ao trânsito, metemos por vielas estreitas onde há filas intermináveis de carros. Há gente que quer sair, mas a senhora dos palavrões é taxativa: não saia pela sua rica saúde, eu sou doente oncológica e ja dei duas bombadas.

Paramos na zona de Aveiro e somos confrontados com o inevitável. O motorista, enervado e tenso, informa-nos que as autoridades foram claras: o autocarro não avançará mais, tem de voltar para o Estoril. As pessoas têm uma alternativa (gosto quando se diz duas alternativas): ou vão pelos seus meios para o destino ou regressam à origem.

A senhora dos palavrões volta a empertigar-se, perante a irritação geral (já com ela): como assim, sair? Quem é a sua chefe? Sabe que eu tenho 80% de incapacidade? Há gente a impor silêncio, a defender o motorista, a tentar estabelecer a ordem, mas 80% de incapacidade é assinalável, impõe respeito, mesmo que seja difícil perceber em que é que a senhora é incapaz. Despedimo-nos e eu digo-lhe solícito e sorridente, inundado de um alívio pouco cristão e de uma falta de transparência pecaminosa: devia fumar menos, sabe? Ela sorri, faz um passo de dança e, recordada da bronquite, da asma, do enfisema nos dois pulmões (para os quais aponta) responde-me de forma superior, toda segura nos 20% de capacidade: mas não bebo álcool, sabe? Nem tomo comprimidos

10 minutos depois regressava ao Estoril, sem ter feito a apresentação, após 11 horas dentro de um autocarro. No pensamento, as vítimas daqueles incêndios. Na memória, os versos que a Amália cantava:  acho inúteis as palavras / quando o silêncio é maior.

JdB 

16 setembro 2024

Dos objectos e do fim de alguma coisa *

Este estabelecimento, de que sou dono e editor, é sério (ou tenta sê-lo, malgré tout...) e, não obstante, vai falar-se aqui de sexo, sendo que a palavra sexo significa, no contexto deste escrito, fazer amor ou, na expressão de algumas pessoas mais criativas, fazer o amor.  

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Não falando seguramente de artefactos que se vendem nas casas das especialidade, menos ainda de bizarrias ou fetiches, há um ponto de intersecção claro entre uma caneta de tinta permanente e o acto sexual. Diria ainda que o raciocínio é replicável para um papel de carta, para uma dança, para um telemóvel, para um computador ou para um livro. Todos estes objectos, aparentemente diferentes entre si, têm algo em comum: não é a sua existência, o facto de serem uma criação humana e / ou tecnológica, ou de cobrirem épocas diferentes. Todos estes objectos têm uma associação não desprezível ao sexo - e não é porque nuns se podem ver filmes pornográficos, noutros se podem escrever contos picantes, noutros se pode fazer isto ou aquilo...

A caligrafia é a arte de escrever bem à mão, é a perfeição da letra. A aprendizagem com uma caneta de tinta permanente favorecia esse caminho e elevava-o. O surgimento das esferográficas e, posteriormente, o progresso tecnológico passadas meia dúzia de décadas, transformaram a escrita em algo utilitário: tudo se faz com brevidade e economia de texto, pois o importante é o entendimento da mensagem, a racionalização do tempo, a rapidez, a comunicação prática. O papel de carta vende-se nos alfarrabistas ou em lojas inundadas de pó, obsolescência e falência anunciada. Enquanto a escrita de uma carta requeria lentidão e cuidado, a de um sms requer mestria. Enquanto a escolha do papel e da tinta assentava numa escolha estética da gramagem e da cor, a utilização do telefone ou do computador obedecem a requisitos técnicos, de velocidade, de capacidade de memória e espaço para aplicações e jogos. 

Acontece o mesmo com a substituição do livro pelo tablet - a dimensão sensorial do toque, da observação da capa, do manuseio, foi substituída pela vertente prática, da não ocupação do espaço, da facilidade de leitura. Quer o telefone quer o tablet mataram, de alguma forma, o sentido do tacto. Agarramos mais, mas tocamos menos.

O desaparecimento do livro, do papel de carta ou da dança entre um homem e uma mulher, e a sua substituição pelo equivalente digital / tecnológico ou pela agitação em grupo, mataram um certo estilo de vida e, nessa voragem (quase) destruidora feriram de morte o erotismo do sexo. Numa sociedade na qual não há espaço para o vagar e para o contacto físico, que é composta por pessoas que falam entre si por mensagens curtas e práticas, que se veem através da virtualidade de ecrãs, que fazem da vida uma sucessão de actividades práticas, o erotismo não tem lugar. Sexo (no sentido de fazer amor) deixou de ser romântico, vagamente pecaminoso, exaltante e escondido, gratificante e íntimo, com a lentidão que cada um quer imprimir-lhe. Um dia será uma aplicação. 

A rapidez da vida, o progresso tecnológico, o fim do sentido do toque como fonte de emoção e de comércio entre as pessoas, a inutilidade da arte da escrita enquanto escolha criteriosa de forma e meios, a voragem invasora das mensagens curtas, o fim de uma certa forma de dançar, as vidas por trás de um ecrã, tudo isto destruiu uma parte da vida que se fazia a dois.

Desde o momento em que deixou de ser apenas impulso primitivo, o sexo foi (também) amor. Talvez um dia seja apenas uma actividade, uma função, uma linha numa lista, um bullet assinalado com eficácia mas sem criatividade, tal e qual como escrever um sms ou um mail a cujo fraseado se tiram as consoantes mudas e a pontuação, se usam abreviaturas sem critério, se dispensa o bom dia e o obrigado, gentilezas substituídas por um imoji.

O erotismo, temo eu, será o apropinquar do léxico português. A palavra é gira, mas ninguém sabe bem o que quer dizer.

JdB 

* publicado originalmente a 2 de Julho de 2018

15 setembro 2024

XXIV Domingo do Tempo Comum

 EVANGELHO – Marcos 8,27-35

Naquele tempo,
Jesus partiu com os seus discípulos
para as povoações de Cesareia de Filipe.
No caminho, fez-lhes esta pergunta:
«Quem dizem os homens que Eu sou?»
Eles responderam:
«Uns dizem João Baptista; outros, Elias;
e outros, um dos profetas».
Jesus então perguntou-lhes:
«E vós, quem dizeis que Eu sou?»
Pedro tomou a palavra e respondeu: «Tu és o Messias».
Ordenou-lhes então severamente
que não falassem d’Ele a ninguém.
Depois, começou a ensinar-lhes
que o Filho do homem tinha de sofrer muito,
de ser rejeitado pelos anciãos,
pelos sumos sacerdotes e pelos escribas;
de ser morto e ressuscitar três dias depois.
E Jesus dizia-lhes claramente estas coisas.
Então, Pedro tomou-O à parte e começou a contestá-l’O.
Mas Jesus, voltando-Se e olhando para os discípulos,
repreendeu Pedro, dizendo: «Vai-te, Satanás,
porque não compreendes as coisas de Deus,
mas só as dos homens».
E, chamando a multidão com os seus discípulos, disse-lhes:
«Se alguém quiser seguir-Me,
renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-Me.
Na verdade, quem quiser salvar a sua vida perdê-la-á;
mas quem perder a vida, por causa de Mim e do Evangelho,
salvá-la-á».

13 setembro 2024

Duas Últimas

Tudo neste videoclip é bom: o próprio bolero, o nome do bolero (gosto da palavra perfídia), a sensualidade displicente das cantoras, o preto e branco, a possibilidade de serem uma pessoa apenas, tão parecidas que são. A cereja em cima do bolo? O computador Apple, para nos trazer à terra. Tudo nos atira para 1939, quando músico mexicano Alberto Domínguez, num rasgo de criatividade imortal, nos ofereceu esta música. Podemos imaginar-nos na Cuba de Fulgencio Batista Zaldivar e nas noites de folia tropical em Havana. Podemos imaginar tudo isso, mas o computador devolve-nos à Terra, mata-nos o devaneio, retira-nos a ânsia de uma Cuba libre - nos seus mais amplos sentidos.

JdB

***  

Nadie comprende lo que sufro yo
canto pues ya no puedo sollozar
solo temblando de ansiedad estoy
todos me miran y se van

mujer si puedes tu con Dios hablar
preguntale si yo alguna vez te he dejado de adorar
y al mar, espejo de mi corazon
las veces que me han visto llorar
la perfidia de tu amor

te he buscado donde quiera que yo voy
y no te puedo hallar
para que quiero otros besos si tus labios no me quieren ya besar
y tu quien sabe por donde andaras
quien sabe que aventuras tendras
que lejos estas de mi

(bis) 

12 setembro 2024

Do erro *

Franz Kappus escreve a Rainer Maria Rilke confessando-lhe como o passar das suas tristezas é perturbador. Na sua resposta de 12 de Agosto de 1904, Rilke incita-o a considerar se essas grandes tristezas não passaram antes através de si; e diz-lhe: se nos fosse possível ver mais longe do que o nosso conhecimento alcança, e um pouco além dos limites das nossas intuições, talvez então suportássemos as nossas tristezas com mais convicção do que as nossas alegrias». E acrescenta: por que razão haveria de querer excluir da sua vida toda a inquietação, toda a dor, toda a depressão de espírito, quando não sabe que trabalho é que esses estados estão a realizar dentro de si? 

Estas pequenas citações dariam para um artigo sobre tristeza. Mas eu, anarco-revolucionário naquilo que não afecta a riqueza das nações nem a pureza dos costumes, quero fazer um find / replace, e, onde se lê tristeza, passar a ler-se erro. Porquê? Por um motivo prosaico. Afinal, na minha ronda de leituras desta manhã, cruzei-me com o poema abaixo que fala disso mesmo - de erro. E fala, numa leitura minha, pessoal, do erro como espaço fecundo de aprendizagem ou, porque não, do erro de certa forma redentor, que abre espaço à construção de um destino promissor. Não é isto que o poeta quis dizer? Não faz mal, a mim dá-me jeito esta leitura.

JdB

* [Texto aproveitado de um artigo publicado na revista Brotéria (Agosto - Setembro 2024), intitulado Onde firmar os pés sem chão. Manual para ser inteiro, com Santa Teresa do Menino Jesus, de Eduardo Amaral, sj]


***

Dado o caso

Escolhe entre os erros
que tens à tua disposição,
mas escolhe certo.
Talvez seja errado
fazer o que está certo
no momento errado, 
ou esteja certo
fazer o que é errado
no momento certo?
Um passo ao lado,
impossível de corrigir.
O erro certo,
uma vez desaproveitado,
não é fácil que volte a surgir. 

Hans Magnus Enzenberger
(1929 - 2022)
In "66 Poemas"
(Tradução de Alberto Pimenta)

11 setembro 2024

Vai um gin do Peter’s ? 

 CRIATIVIDADE DA MADRE TERESA E DO TURISMO PORTUGUÊS

A 5 de Setembro, o meu Pai faria 100 anos. Que saudades daquele grande senhor, pai e professor, por profissão e por vocação, que partiu há 10 anos! Desde 1997, o 5 de Setembro passou a ficar associado à Madre Teresa de Calcutá, festejando o dia da sua morte que, à luz da fé, correspondeu ao nascimento para a eternidade. São incontáveis os episódios e as suas respostas antológicas, em especial com os mais frágeis e também com os mais críticos do seu trabalho junto dos indigentes do planeta. Ainda assim, recebeu inúmeras mostras de consideração, começando pelo Nobel da Paz, em 1979, o acolhimento com honras de Estado nas Nações Unidas e noutros palcos internacionais de prestígio. Diz muito a maior nação hindu do mundo ter colocado a bandeira indiana sobre a sua urna, quando desfilou pelas longas avenidas de Calcutá, sob um sol escaldante, enquanto as multidões se aglomeravam para uma homenagem pública muito sentida. 

Um dos moribundos de uma viela infecta dos bairros proscritos de Calcutá, que morreu nos seus braços, desabafou: «eu que vivi como um cão, vou morrer como e com um anjo».  Um magnata ocidental, a quem a Madre Teresa pediu dinheiro para construir uma das suas casas da Caridade, cuspiu-lhe na mão que a mãe dos pobres lhe estendera. Mas ficou desarmado com a reacção da pequena missionária, que recolheu para si a mão com a cuspidela e lhe estendeu a outra: «Certo, isto é para mim. E agora, para os pobres» (abrindo a palma da outra mão). Tocado, o magnata entregou-lhe um cheque generoso.  

Contou um jornalista espanhol, que se encontrou com a Madre Teresa na casa das Irmãs da Caridade, em Nova Iorque, ter aproveitado a ocasião para a criticar frontalmente por aquele tipo de trabalho, taxando-o de paternalismo eivado de assistencialismo ineficaz. E instava a missionária a adoptar uma intervenção mais política, cheio de conselhos sobre os métodos para erradicar a pobreza. Enquanto se afadigava numa argumentação acalorada (segundo o próprio) baseadas nas suas muitas teorias, a M.Teresa ouvia-o silenciosa e continuava a visita ao berçário das Irmãs, dando festas a um dos bebés abandonados, mudando fraldas a outro, segurando o biberon de outro. Quando se ouviu um choro mais intenso, a Madre acorreu ao bebé desesperado, pegou-lhe ao colo, acalmou-o e depois posou-o nos braços do jornalista para socorrer outro recém-nascido, que começara a chorar. Depois da surpresa inicial, o espanhol olhou para o bebé (confessou, mais tarde, que era a primeira vez que o fazia, naquele berçário), segurou-o com cuidado e, comovido, mudou o chip e converteu-se. O bebé de carne-e-osso com nome, que lhe fora confiado pela missionária albanesa, resultara na melhor definição do que era a caridade real, capaz de chegar a quem precisa. 

Sem ideias feitas, nem teorias, a Santa de Calcutá partilhou algumas das melhores dicas sobre o amor profundo, à escala humana, que suplanta todas as diferenças de etnia, religião, idade, sexo, nacionalidade, matriz cultural, condição social, etc. apenas interessada em ajudar. É eloquente a atitude tolerante e aberta com que ajudou pobres de outras confissões religiosas, assim como agnósticos e ateus, com o objectivo maior de lhes aliviar o sofrimento:  

«As pessoas boas merecem o nosso amor; as pessoas más precisam dele.» 

«If you judge people, you have no time to love them.»

«Peace begins with a smile. (…) Every time you smile at someone, it is an action of love, a gift to that person, a beautiful thing.»

«If we have no peace i tis becausse we have forgotten that we belong to each other.

«We fear the future, because we are wasting the present. (…) Yesterday is gone…»

«Not all of us can do great things. But we can do small things with great love.»   

Bio telegráfica desta mulher que teve a coragem de ir até às periferias infra-humanas da sociedade: nascida no seio de uma família católica da Albânia (então território da Macedónia), em 1910, Agnes Gonxha Bojaxhiu cedo revelou vocação para missionária. Aos 18 anos, entrou para a congregação das Irmãs de Nossa Senhora do Loreto. Começou na Irlanda, mas rapidamente seguiu para um convento na Índia, onde dava aulas. Volvida uma década de vida pacata, pediu dispensa para fundar uma nova congregação, que cuidasse dos muitos sem abrigos com que se deparou. Assim nasceram as «Irmãs da Caridade». Em 1948, já sob o nome de Teresa, adquiriu nacionalidade indiana. Com o Nobel da Paz (1979), a sua obra ganhou projecção mundial, impressionando pela dedicação aos mais desprotegidos, sem medo de contrair doenças, nem repugnância pela degradação humana extrema, que procurava aliviar. Foi beatificada em 2003 e canonizada em Setembro de 2016, pelo Papa Francisco.

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É português o filme premiado, em 2023, com o galardão do Melhor Filme de Turismo do Mundo, no festival de Valência. «ALMA DE Lû («A Soul Made from Wool») foi rodado em 2022 para dar a conhecer a beleza subtil e aconchegante do interior do país, numa zona raiana, onde os lanifícios e a serrania pedregosa se impõem. Sob uma banda sonora magnífica, o mosaico variado de actividades daquela região fluem em acelerado, numa sequência plástica sumamente artística, que fusiona recortes da paisagem montanhosa com teares e outros elementos da região. O argumento parte da história do herdeiro de uma fábrica de lanifícios arruinada, na Covilhã, que Francisco converteu num laboratório de artesanato criativo e experimental, cognominado New HandLab.  A arte, o engenho e a boa vontade resgataram da falência uma velha indústria ameaçada de extinção, reenquadrando o saber milenar de artífices anónimos:  

https://lobbyproductions.com/video/newhandlab-a-soul-made-from-wool/

Também da Covilhã, outro filme premiado (com um bronze) tem um título igualmente poético para promover Pampilhosa da Serra, Arganil e Góis. A história segue o olhar curioso, inexperiente e límpido de uma criança, para a redescoberta de uma paisagem diferente, mas que nos cansámos de banalizar por falta de silêncio e de simplicidade para lhe reconhecer o fascínio e até a magia: 


Por seu turno, a medalha do público recaiu sobre a curta-metragem de Leonel Vieira, dedicada à vila fronteiriça do Alto Minho – Monção – orgulhosa dos seus pergaminhos ancestrais: 


Igualmente de inspiração medieva, o Museu do Oriente (parte Norte da Doca de Alcântara) oferece um concerto a 30 de Setembro, às 19h00, onde serão interpretadas cantigas das três grandes culturas que se entrecruzaram na Península Ibérica, nos séculos XIII e XVI: cristã, sefardita e árabe. Eduardo Ramos será o vocalista e tocador do alaúde árabe, enquanto Carlos Mendonça o acompanhará à  flauta e na percussão. O espectáculo integra-se no Ciclo de Concertos da Antena 2, com entrada livre, mas sujeito à lotação da sala, pelo que será necessário levantar bilhete no próprio dia.  

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

10 setembro 2024

Pensamentos e poemas dos dias que correm

 As frases que nunca escreverei, as paisagens que não poderei nunca descrever, com que clareza as dito à minha inércia e as descrevo na minha meditação, quando, recostado, não pertenço, senão longinquamente, à vida. Talho frases inteiras, perfeitas palavra a palavra, contexturas de dramas narram-se-me construídas no espírito, sinto o movimento métrico e verbal de grandes poemas em todas as palavras e um grande entusiasmo, como um escravo que não vejo, segue-me na penumbra. Mas se der um passo, da cadeira, onde jazo estas sensações quase cumpridas, para a mesa onde queria escrevê-las, as palavras fogem, os dramas morrem, do nexo vital que uniu o murmúrio rítmico não fica mais que uma saudade longínqua, um resto de sol sobre montes afastados, um vento que ergue as folhas ao pé do limiar deserto, um parentesco nunca revelado, a orgia dos outros, a mulher, que a nossa intuição diz que olharia pra trás, e nunca chega a existir.


Bernardo Soares, in "Livro do Desassossego"

***

Eu Queria Ter o Tempo e o Sossego Suficientes

Eu queria ter o tempo e o sossego suficientes 
Para não pensar em coisa nenhuma, 
Para nem me sentir viver, 
Para só saber de mim nos olhos dos outros, reflectido. 

Alberto Caeiro, in "Poemas Inconjuntos" 

08 setembro 2024

XXIII Domingo do Tempo Comum

 EVANGELHO – Marcos 7,31-37

Naquele tempo,
Jesus deixou de novo a região de Tiro
e, passando por Sidónia, veio para o mar da Galileia,
atravessando o território da Decápole.
Trouxeram-Lhe então um surdo que mal podia falar
e suplicaram-Lhe que impusesse as mãos sobre ele.
Jesus, afastando-Se com ele da multidão,
meteu-lhe os dedos nos ouvidos
e com saliva tocou-lhe a língua.
Depois, erguendo os olhos ao Céu,
suspirou e disse-lhe:
«Effathá», que quer dizer «Abre-te».
Imediatamente se abriram os ouvidos do homem,
soltou-se-lhe a prisão da língua
e começou a falar corretamente.
Jesus recomendou que não contassem nada a ninguém.
Mas, quanto mais lho recomendava,
tanto mais intensamente eles o apregoavam.
Cheios de assombro, diziam:
«Tudo o que faz é admirável:
faz que os surdos oiçam e que os mudos falem».

06 setembro 2024

do ténis e do ballet

 

Tenho do ténis, como tenho de todo o desporto, uma visão amadora. Nunca tendo praticado de forma sustentada nenhum desporto, sou atraído pelo que me diverte ou entretém, pela estética, pela qualidade que identifico com o meu olhar pouco sabedor. Do ponto de vista dos tenistas a minha ordem de preferência vai (sem ser forçosamente por esta ordem) a nacionalidade, se são canhotos ou destros, uma certa elegância a jogar. Por isso nunca gostei do Nadal; embora canhoto e espanhol (a favor / nada contra), sempre lhe encontrei uma certa rudeza - seja física, seja na forma como joga. E por isso sempre gostei do Federer; embora destro e suiço (nada contra / menos a favor) sempre lhe encontrei uma certa elegância, seja física, seja na forma como joga. e até na forma de se exprimir.

Pessoas próximas falaram-me e enviaram-me este video, que fala na ligação entre o ténis e o ballet. Vale a pena ver, até porque são pouco mais de 3 minutos. Achei curioso, porque explica muito do meu gosto por ver o Federer jogar.

JdB  

05 setembro 2024

Dos sonhos incomodativos

Nunca fui homem dado a pesadelos, felizmente. Mesmo nos tempos mais desafiantes da minha vida - e alguns foram-no - o meu maior pesadelo era acordado: a certeza da insónia e do que a provocava. Nunca acordei a suar, com taquicardia ou com uma sensação de pânico. 

Curiosamente, os meus sonhos mais incomodativos tiveram sempre como pano de fundo a minha vida profissional. Uma vida profissional, diga-se de passagem, que nada de muito relevante tem a assinalar: comecei por baixo e fui subindo até ao limite da minha competência; nunca fui vítima de conluios nem ataques pessoais relevantes. Fui, talvez sim, vítima de um menor entusiasmo profissional num tempo difícil, que coincidiu com um época de mau ambiente na empresa. Quando tive de sair fi-lo com a consciência de que já não era a pessoa certa no lugar certo. 

O pesadelo - talvez "sonho incomodativo" seja mais correcto - seria facilmente explicável pelo Freud (confesso que nunca li A Interpretação dos Sonhos) ou por um psiquiatra - ou talvez por um charlatão. Eu conto: vejo-me a entrar na empresa onde trabalhei 20 anos, embora a arquitectura seja diferente. Dou por mim a não saber onde está o meu gabinete e isso provoca-me ansiedade. Não estou perdido - simplesmente o gabinete desapareceu. Uma colega (que reconheci) pergunta-me, face ao meu estado de ansiedade: quer sentar-se um pouco? Percebo que há mais pessoas na minha situação. Questiono-me se devo falar com o meu chefe (um homem que já tinha morrido há meia dúzia de anos) e sugerir que se antecipe a minha saída. Mostram-me então uma lista com mudanças e indicam-me o meu novo gabinete: é um espaço sujo, relativamente estreito, com uma secretária e um candeeiro velho no chão, um pé direito muito alto (muito alto, mesmo) e umas obras artísticas grandes (parecem-me mais azulejos do que pinturas, não consigo identificar o que são) que acompanham a altura das paredes. Uma pessoa que não reconheci explica-me, simpaticamente, o que são. O sonho acaba.

Um psiquiatra, repito, explicaria facilmente por que motivo os meus sonhos incomodativos estão sempre ligados à empresa. Saí a bem, voltaria de bom grado para re-visitar espaços e pessoas se a fábrica ainda existisse. Não deixei inimigos e parti com um punhado significativo de boas recordações, algumas amizades que ainda sobrevivem ao desgaste do tempo e do afastamento físico. Alguém me explica o que quer isto dizer?

JdB 

Alucinações dos dias que correm

 

04 setembro 2024

Da importância das palavras *

 Um dia destes, na minha ronda de blogues, encontrei um pensamento. Alguém se questionava sobre o que o salvava do caos, sendo que a resposta reiterada era: a palavra. O sentido era este, se bem que o reproduza de forma obscenamente simplista. Não sei se poderei dizer o mesmo sem que se adivinhe uma presunção a que não quero atirar-me. Não obstante, estou em crer que a palavra escrita desempenhou uma grande importância nos momentos - e foram alguns - em que o caos se instalou dentro de mim com ideias de ficar.  

Porque escrevo - seja no blogue, nos textos académicos que se prendem com temas que me tocam, nas cartas que envio aos que me estão mais próximos, nas frases com que invado de forma maçadora a caixa de correio alheia? Porquê? Para ordenar a desordem, para organizar o caos, para alumiar um  buraco, para iluminar um caminho, para encontrar sentido para as coisas. Escrevo para mim próprio, sobretudo, mesmo que disfarce a tontaria - ou uma aparente vaidade - dirigindo-me aos outros. Estou tão certo disso como do meu número de contribuinte que fixei há anos. 

(Também o faço por divertimento, mas porque não poderá ser isso considerado uma terapia, passe o exagero?) 

Tem isto alguma relevância? Não, a não ser para mim. Para os outros são violações do sossego próprio, frases cujo sentido nascem e morrem dentro de mim, apesar dos que me conhecem o suficiente para entender os subterfúgios ou as bizarrias. É por isso que envio mais do que recebo, lutando interiormente contra a ideia da desilusão que advém de uma contabilidade desencontrada. Afinal, o combate ao caos é essencialmente solitário, e cada um sabe como fazer o seu. Perceber isto é perceber muito, porque o deve e o haver da vida estão longe de serem iguais. Felizmente, direi eu, apesar de tudo... 

JdB 

* publicado originalmente a 21 de Agosto de 2014

03 setembro 2024

Poemas dos dias que correm

 Pecados capitais 

Cada vez que tive vontade e pude
entreguei-me à gula e à luxúria.
Com a preguiça vivo amancebada.
Só fui seduzida pela avareza
como meio para outros desvios.
Sempre me mostrei irada e soberba,
orgulhosa, arbitrária e teimosa.
Talvez por isso não sentisse inveja.
Tão segura de mim, tão inflexível,
não podia invejar nada nem ninguém.
Hoje, contudo, derrotada e só,
sem esperança e vencida, tão inútil,
sinto inveja de mim quando me amavas. 

amalia bautista
estou ausente
tradução de inês dias
averno
2013

02 setembro 2024

Dos Setembros da minha juventude

 

September

The sun shines high above
The sounds of laughter
The birds swoop down upon
The crosses of old grey churches
We say that we're in love
While secretly wishing for rain
Sipping coke and playing games 

September's here again
September's here again

* música partilhada ontem no Linkedin pelo meu amigo João Silva, e que eu não conhecia.

***

Em Julho de 2016 escrevi um texto para a Raquel, mulher do JdC, texto esse que girava à volta de uma história passada com ela em Moçambique: os miúdos apareciam-lhe em casa e, quando lhes era perguntado o que queriam, respondiam kungokhala (uma palavra que em Chichewa quer dizer só ficar) . 

Fui repescar uma parte desse texto (quem quiser ler o post completo pode fazê-lo aqui) porque fala dos Setembros da minha juventude, e a lembrança desses tempo é uma espécie de regresso a casa. É um texto saudosista, eu sei, mas, como digo sempre, o passado é certo, o futuro não existe até prova em contrário. 

Dino Meira compôs uma música a que chamou O meu querido mês de Agosto, Ruy Belo escreveu um poema que intitulou Como se estivesse em Agosto. Para mim, e roubando o título de uma crónica antiga de João Bénard da Costa, os dias de Agosto são dúbios. Certos, certos, como o são as minhas memórias, são os meses de Setembro. Eis, pois, o excerto que fala dos Setembros da minha juventude. Para algumas pessoas, a juventude é um local imaterial de refúgio para momentos atribulados. 

***

Penso que já terei escrito algo sobre este aspecto das minhas férias de juventude: durante alguns anos, talvez dos 13 até aos 24 ou 25 passei férias regulares em casa de amigos e primos no Alentejo. Era Setembro, e a casa enchia-se de gente, do cheiro a petróleo que substituía a electricidade, da emoção dos cigarros fumados às escondidas, do odor a sopa de cação ou de beldroegas, da música ouvida num pick-up a pilhas ou dos devaneios adolescentes de uma ida a Badajoz. Lembro-me de me perguntarem o que fazíamos lá durante um mês. A minha resposta repetia-se com a monotonia que advém das convicções: nada! E é por isso que é tão bom.  

De facto, não havia grandes actividades, para além do pingue-pongue, dos jogos de gamão ou das idas à terra local ver a novela ou passear um bocado, das excursões a Vila Viçosa pendurados na boleia que substituía os carros inexistentes. Usando uma conjugação verbal já aplicada neste estabelecimento, estava-se. No fundo, ficávamos, e nada havia de mais feliz nessa dimensão de aparente inactividade. Não estávamos obrigados à agitação, não queríamos agitação para além daquela que já tínhamos. Queríamos algo que não se ligasse obrigatoriamente ao frenesim, à necessidade de programas diários, à agitação do corpo ou da mente. Estávamos,  e isso dava-nos - ou dava-me, pelo menos - uma tranquilidade enorme e uma felicidade cujas razões só tarde percebi. Queríamos estar, porque encontrávamos nessa realidade aquilo que cada um precisava, ditado pela ingenuidade ou pela necessidade do subconsciente. Aquela casa era o nosso mundo. Ou era o meu mundo. 

***

Já no final do poema referido, e referindo-se ao seu Agosto, diz Ruy Belo: 

Agosto não é a pura palavra não é determinada designação para um tempo
onde cada uma dessas coisas anualmente se encontra comigo
Agosto são talvez estas palavras todas onde me perco onde procuro pôr os meus passos
onde afinal penso que permaneço um pouco mais do que no frágil edifício dos dias

Subscrevo tudo, se o poeta, lá na eternidade onde vive, me deixar substituir Agosto por Setembro

Setembro começou, para mim, em 1971. Se à chegada àquele meu Alentejo me tivessem perguntado o que é que eu queria, a resposta seria óbvia: kungokhala. Bom Setembro para todos.

JdB 

01 setembro 2024

XXII Domingo do Tempo Comum

 EVANGELHO – Marcos 7,1-8.14-15.21-23

Naquele tempo,
reuniu-se à volta de Jesus
um grupo de fariseus e alguns escribas
que tinham vindo de Jerusalém.
Viram que alguns dos discípulos de Jesus
comiam com as mãos impuras, isto é, sem as lavar.
– Na verdade, os fariseus e os judeus em geral
não comem sem terem lavado cuidadosamente as mãos,
conforme a tradição dos antigos.
Ao voltarem da praça pública,
não comem sem antes se terem lavado.
E seguem muitos outros costumes
a que se prenderam por tradição,
como lavar os copos, os jarros e as vasilhas de cobre –.
Os fariseus e os escribas perguntaram a Jesus:
«Porque não seguem os teus discípulos a tradição dos antigos,
e comem sem lavar as mãos?»
Jesus respondeu-lhes:
«Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas,
como está escrito:
‘Este povo honra-Me com os lábios,
mas o seu coração está longe de Mim.
É vão o culto que Me prestam,
e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’.
Vós deixais de lado o mandamento de Deus,
para vos prenderdes à tradição dos homens».
Depois, Jesus chamou de novo a Si a multidão
e começou a dizer-lhe:
«Ouvi-Me e procurai compreender.
Não há nada fora do homem
que ao entrar nele o possa tornar impuro.
O que sai do homem é que o torna impuro;
porque do interior dos homens é que saem os maus pensamentos:
imoralidades, roubos, assassínios,
adultérios, cobiças, injustiças,
fraudes, devassidão, inveja,
difamação, orgulho, insensatez.
Todos estes vícios saem lá de dentro
e tornam o homem impuro».

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