03 novembro 2008

HISTÓRIA DE UM PORQUÊ (escrever num blogue)


“ - Presumir legíveis as divagações próprias, tem que se diga.”

Pôs na mesa o jornal e o efeito da frase, medindo o gesto distraído.

“ – O mérito cresce se não aparece mais gente. A falta de comparência dos outros é um dos motores da vida”, justifiquei sem olhar (descascar a maçã era cada vez mais absorvente), “e a atenção e a memória passam bem sem autor interessante”.

“- Memória? As coisas foram como são!”

“ – Os factos são os factos…”

“ – As coisas são como nos lembramos delas e isso só por acaso pode ser como foi. Alguns poucos tentam arquivar o que vai acontecendo, coleccionando memórias como se juntam conchas. Os outros todos usam o passado para ter razão. Nunca ninguém puxou da História para provar que está errado.”

Redobrei a curiosidade na maçã, descobrindo caroços inesperados. Desconversei baixinho:

“- A verdade pode estar nas convicções…”

“- A convicção põe verdade onde a realidade se engana!”

“- A verdade pode estar nos sentimentos…”

“- O sentimento põe verdade onde lhe apetece…”

“- Sobra o quê?”

“- Assunto não, que o que havia a dizer já alguém o disse algures.”

“ – Há sempre novas formas de …”

“ – …reembrulhar o já dito, cuidando do papel e do laço?”

Confirmei mais uma vez a cronologia: o sítio do porquê é sempre depois da decisão.


(JCN)

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