15 dezembro 2008

África

Todos os continentes têm os seus encantos, mas nenhum como a África inculca nas pessoas que com ele contactam sentimentos tão fortes. Talvez por ter sido ali que tudo começou para a raça humana (até que alguém se lembre de contestar os actuais dogmas científicos e descubra que, afinal, o Homem nasceu na Brandoa). Nenhum outro continente suscita um sentimento de pertença tão espontâneo por parte dos seus habitantes. Em todas as regiões da África sub-saariana as pessoas são primeiro africanas e só depois cidadãos dos países inventados pelo colonizador europeu. África é Mãe como nenhum outro continente é, sequer, tia.
África foi o primeiro continente a ser tocado e o último a ser penetrado na aventura global que começou em Sagres há quase 600 anos. Daí o mistério que ainda hoje perdura no inconsciente europeu, e daí o fascínio que também os europeus e seus descendentes sentem por África.
Fiel incondicional do culto africano, não posso deixar de me indignar com o que se passa actualmente em África. Nunca as riquezas que os países africanos possuem foram tão valorizadas e nunca a miséria, o conflito e a doença foram tão generalizados, pelo menos desde o início da colonização efectiva do continente. Os diagnósticos de catástrofe existem às centenas, elaborados pelas mais prestigiadas instituições internacionais. As propostas de terapia também. Mas ninguém lhes liga. É que para reverter a situação seria necessário combater a corrupção, promover Governos representativos e legítimos, construir o respeito pela lei e garantir todos aqueles direitos inalienáveis à pessoa humana que, em África, pura e simplesmente não existem. E tudo isto é actualmente impensável. É impensável porque as elites africanas recusam obstinadamente que tal aconteça e porque nisso têm o confortável apoio dos seus poderosos amigos de momento. Amigos nunca faltam. A troco de vantagens predatórias ou de alinhamentos estratégicos, europeus, americanos, russos, chineses, e até os novos “emergentes” estão dispostos, se não a colaborar activamente no desastre, pelo menos a calar qualquer crítica ao actual estado de coisas. Com os índices de desenvolvimento humano mais baixos do planeta, os países africanos estão condenados à pobreza e ao subdesenvolvimento, sem que seja possível vislumbrar uma solução alternativa.
Diz-se que os problemas de África têm que ser solucionados pelos africanos. Pura demagogia! Não têm, nem podem. Mas claro que os africanos podem e devem dar uma ajuda. Para começar têm que reinventar o Homem africano.
Permitam-me uns parênteses. Os processos de descolonização surgiram fundamentalmente da inopinada consciência dos europeus de que não eram superiores aos africanos. Tinha sido essa confortável convicção que, até à segunda guerra mundial, lhes tinha permitido dominar e explorar sem que de tal decorresse qualquer problema ético ou moral. Era, até então, inquestionável pelo mais humanista dos pensadores que os europeus eram superiores aos africanos. Eram superiores do ponto de vista civilizacional, do ponto de vista económico e até do ponto de vista moral. De repente, ninguém sabe muito bem como, tudo começou a ser questionado. Foi um pouco como o que aconteceu com a escravatura, instituição incontestada até ao século XVIII e que num ápice virou aberração imoral.
Retomando o fio à meada, o ponto que eu quero aqui fazer é que, enquanto os europeus se viam envoltos em preconceitos morais e em consequência disso descolonizavam, o poder em África era transferido para elites sem quaisquer preconceitos dessa natureza e que tinham dos seus concidadãos a mesma imagem dos antigos colonizadores. O clique de evolução civilizacional que a certa altura deu nos europeus não aconteceu ainda nas elites africanas e, enquanto não acontecer, enquanto ao Homem africano não for reconhecida a humanidade que é intrínseca a qualquer ser humano, nada de bom pode acontecer em África.

J. Buggs

3 comentários:

  1. Gosto cada vez mais dos textos de J.Buggs, mesmo que não concorde, muitas vezes com eles. Como este, por exemplo. Não sou tão pessimista em relação a África. Nem em relação aos africanos. As generalidades são perigosas por isto mesmo - dão textos como este.Ainda muito paternalista. Mas esta é uma discussão longa - de muitas décadas já. E, espero eu, a concretizar, talvez, um dia com o J.Buggs. Eu gostava.
    Mónica Bello

    ResponderEliminar
  2. J buggs, li na diagonal e comento, por isso, com superficialidade a que tenho direito, mas não tenho dúvidas em afirmar que quem escreve assim sobre Africa não comeu pirão do tacho, não apanhou mataquenha e não teve tempo para se deliciar com o cheiros das manhãs e com o balançear daquelas gentes. Não conheceu o peso da ancestralidade, nem a força do tribalismo. A Mónica tem razão, esta é uma discussão longa e de muitas décadas e não é para todos.
    No entanto, obrigada pelo esforço e pela preocupação. Acima de tudo para nos alertar para uma realidade que está, para quase todos, tão distante.

    ResponderEliminar
  3. Pois eu, desculpem lá, meninas, concordo inteiramente. Não acho de todo paternalista, nem acho que seja preciso ser de África, como diz a Maria do Mar, para se pensar África, sentir África, ser filho de África, ter sangue de África. Não mudava uma linha. Sem saber que a Mónica, grande Mónica, tinha comentado - só vi no fim - estava a ler o Buggs e a pensar: «vou propôr à Bello publicar isto num jornal que eu cá sei...» Caraças! Ela não gostou! Mas isto assim é que é giro! Tudo à volta da fogueira à roda do bom pensar problemático! Já temos aqui um bom grupo para quando chegares, João! In my place or yours? Rita Ferro

    ResponderEliminar

Acerca de mim