pôes o avental, preparas a instrumentação,
contas ingredientes: fermento, açúcar, sal,
ajeitas a mão e treinas o golpe e a intenção.
enquanto relembras receita, truques, etc. e tal.
depois da ciência, em esforço e método,
esperas a arte da alquimia e a inspiração
que te transformarão de artista moderno
em visionário da gastronomia em ebulição.
cuidado, rapaz-de-avental-posto, em guarda,
qu'isto de cozinhar palavras é perigo imenso:
sabores, aromas e mais devaneios em barda
podem fazer da palavra arma - e de ti incenso.
podes desvanecer-te num minuto, nem tanto,
e incenso nunca será de cozinha grande chefe.
ainda acabas a cozinhar em lume brando
a carne tua no sangue que em ti ferve.
a gastronomia sempre foi arte e da maior,
cozinhar palavras não é assim tão diferente:
tarefa sápida de, pelos sentidos, matar a dor
que o poeta que em ti arde, sente e cala
que o poeta que em ti fala, esconde
(ou melhor: mente).
--
à hora de almoço, na rua dos soeiros,
por entre os carros em marcha lenta,
frugais nos alimentos para o corpo,
exigentes nas palavras e nos sonhos.
i.pod era para mim palavra nova
tal como essoutra, de brincar: i.trip,
anglicismos hoje em dia universais.
os minutos cronometrados
na marcha devastadora que só nós sabíamos,
os atropelos de mãos e lábios e tudo,
um inverno improvável lá fora,
como improvável era aquele estar ali,
vagabundos de coração ao alto,
irmanados pela música do jens,
de bacharach e david
- fools for love, todos nós.
gi
gi, adorei o paralelismo entre a gastronomia e a poesia.
ResponderEliminarJá a segunda parte do seu post, :-( confesso que não consegui perceber bem o que queria dizer. É um texto muito 'prá-frentex' e na minha ignorância não acompanho o seu pensamento.
maf,
ResponderEliminarolá, muito obrigado pelas suas mui gentis palavras.
o segundo poema é um poema biográfico. em dezasseiss versos cabe toda uma história de amor - há outro assunto? -. a única chave que precisa tem a ver com as palavras inglesas usadas. no google, perceberá o que é 'i.pod' e 'i.trip'. já quanto a jens, bacharach e david:
- jens lekman, jovem músico sueco que vale a pena conhecer;
- burt bacharach e hal david, compositor e letrista de uma das mais famosas duplas da canção ligeira em língua inglesa, responsáveis por dezenas e dezenas de 'hits' que todos conhecemos.
em comum, todos eles, terem sido a banda sonora desta história e o facto de, também eles, falarem do único temas que existe: boy meets girl, boy loses girl.. claro que há a alta cultura, a metafísica, tudo coisas talvez maiúsculas. mas, para uns quantos de nós, continua viva a velha máxima, creio que de jean luc godard: 'a medida do amor é o amor desmedido'.
não tenho por hábito explicar poemas, para mais destes que 'vivem em mim'. mas dias não são dias. e gentileza com gentileza se paga.
flores para si,
gi.
gi: gostei da sua explicação. Tentando dar o seu a seu dono, arriscaria dizer que a frase "a verdadeira medida do amor é o amor sem medida" é de Santo Agostinho. Não estou certo, mas que ele era rapaz para ter dito isso era...
ResponderEliminarJB,
ResponderEliminaragradeço a correcção, que me parece - sem certezas absolutas - verdadeira. intuitivamente, algo que me diz que faz sentido ter sido Santo Agostinho. não foi ele, também, quem disse uma das frases mais belas e mais enigmáticas, por estranho que pareça, da aventura humana?:
'ama e faz o que quiseres.'
muito obrigado. jean luc godard não se chateará e eu também não!
flores,
gi.
gi, agradeço-lhe a explicação preciosa que deu e sinto.me deveras honrada que o tivesse feito especialmente para mim.
ResponderEliminarFlores também para si e bem-haja.