Assim é o Melhor Vídeo Criativo do Youtube, em 2007, a premiar a divulgação de 500 anos da pintura ocidental, que desliza ao som de uma Sarabande de Bach(1). Uma combinação espectacular, da autoria do norte-americano, Philip Scott Johnson. O tema é maximamente estético (digo eu), anunciado por um título simples e directo «WOMEN IN ART». Só por isso, uma aposta ganhadora.
Começa com um ícone russo, do século XII. Daí salta para o Renascimento. Depois avança, suavemente, até ao terceiro quartel do séc. XX, num fading de imagens maravilhosamente fluído, que se vai transfigurando em 90 rostos inspiradores. Um soberbo desfile de musas que, ao longo dos séculos, dezenas de pintores (e apenas duas a três pintoras) imortalizaram na tela. Vale a pena lembrar alguns, para se antecipar a qualidade da selecção de Johnson, que reúne Novgorod, Leonardo, Titian, Botticelli, Raphael, Dürer, El Greco, Rubens, Fantin-Latour, Corot, Renoir, Manet, Gauguin, Klimt (por acaso, numa imagem pouco conhecida e que não faz plena justiça à sua genialidade ímpar), Matisse, Magritte, Modigliano, Dali ou Picasso, a fechar a colecção com várias obras.
A propósito de musas, contava Arpad Szenes e Helena Vieira da Silva(2) um episódio passado com Henri Matisse e revelador da importância da cor na pintura. O pintor francês terá sido abordado por um daqueles discípulos cansativamente zelosos, mas de pouca sensibilidade, que lhe teria perguntado: «De que cor, Mestre, é o chapéu dessa senhora?». Referia-se a uma tela do período fauve, com um rosto feminino afilado e vestido preto sóbrio, a realçar um leque colorido e um chapéu em tons espampanantes. Resposta desencorajante mas clarificadora do mestre: «É preto, evidentemente!»
Femme au chapeau, 1905, Museu da Moda, S.Francisco, EUA
As próprias tonalidades imprevisíveis do fundo já indiciam uma concepção cromática muito desligada da representação figurativa da realidade, que explicam a reacção do pintor.
Ao aprofundar a relevância da paleta de tintas na arte pictórica, Malraux comentava a célebre tela de Vieira da Silva La Bibliothèque rouge (uma das muitas bibliotecas que pintou), observando: «Este quadro é vermelho, mas para se tornar vermelho tem de conter todas as cores.»
E Arpad como que desvenda o segredo guardado nos ateliers: «A Vieira pintou La Bibliothèque rouge em pequenas pinceladas de várias cores, as quais gravitam em torno umas das outras e se transformam em luz vermelha.»
Vieira completa: «Existem sete cores apenas, mas tantos cambiantes»
La Bibliothèque, 1948-1949
Vale a pena ler o testamento originalíssimo de Vieira da Silva sobre o simbolismo dos tons:
«Deixo aos meus amigos
Um azul ceráleo para voar bem alto
um azul cobalto para a felicidade
um azul ultramarino para estimular o espírito
um vermelhão para que o sangue circule alegremente
um verde musgo para acalmar os nervos
um amarelo de ouro: Riqueza
um violeta cobalto para o devaneio
uma garança porque deixa ouvir o violoncelo
um amarelo bário: ficção científica, brilho, esplendor
um ocre amarelo para aceitar a terra
um verde veronese para a memória da Primavera
um índigo para que o espírito se ajuste à tempestade
um laranja para treinar a vista de um limoeiro ao longe
um amarelo limão para a graça
um branco puro: Pureza
terra de Siena natural: a transmutação do ouro
um negro sumptuoso para ver Ticiano
uma terra de sombra natural para aceitar melhor a melancolia negra
uma terra de Siena queimada para o sentimento da durabilidade.»
A questão da cor é central na pintura, como o demonstra o diferendo entre Matisse e o discípulo equivocado. Porque tem menos a ver com a exuberância cromática de um feltro de plumas e bem mais com a relação entre a realidade e a arte! É, por isso, fracturante aquela disparidade de mundividências. Uma distância nada fácil de transpor pela lógica, mas que se esfuma em face do Belo, como intuía Dostoievski: «A beleza salvará o mundo».
Diria que se inscreve na mesma senda a visita guiada por Johnson a grandes colecções de Museus míticos, como o Louvre. Pelo menos, é um livre trânsito para aceder a alguns corredores, sem restrições geográficas ou horárias nem canseiras burocráticas. Ou simplesmente uma maneira de começar bem a semana.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas, numa Segunda-feira)
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(1) Suite No. 1, BWV 1007 de Bach em Sol Maior - Sarabande, executada por Yo-Yo Ma.
(2) Alusão à entrevista de Anne Philipe ao casal pintor, reportada em «O Fulgor da luz: conversas com Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes», Edições Rolim.
Dear Maria Z, what a wonderful post. Admittedly I have only had time so far to scan quickly through, but I LOVED the video, something of a modern technological masterpiece don't you agree? And I loved seeing the Viera da Silva paintings again having visited her Lisbon museum not long ago and purchased some framed posters, notably one of her Biblioteca series and Floresta de Enganos; since I play bridge I had hoped to buy also one of her Jogadores de Cartas series but there were none available. Next time. Loved also her classification of tonal symbolisms. Thank you! PO
ResponderEliminarDear Philip, thank you very much for your encouraging words. I agree that both the video masterpieces and Vieira's paintings are really inspiring. MZ
ResponderEliminarObrigada, Emi, por um belíssimo post. Tive pena, no entanto, de não ter visto a maravilhosa cara da Belle Ferroniére do grande Leo da Vinci. Está a da Cecilia Gallerani e do seu suave arminho, mas não a da BF com os seus profundos e melancólicos olhos castanhos. Talvez os olhos mais bonitos da pintura que conheço. Para mim, claro. Quanto às questões da côr, pintura, etc, aconselho-te - e aos leitores que gostem da temática - a lerem O Fulgor da Luz, um pequeno livro que contém uns diálogos de sonho entre a VS e o seu marido Arpad Szenes. Podes continuar a trazer pintura, MZ... bjs. pcp
ResponderEliminarDesculpa, MZ, agora é que vi a alusão que fizeste ao Fulgor da Luz... sorry, pcp
ResponderEliminarObrigadíssima, pcp, pelo teu comentário cheio de dicas óptimas, ou não fosse sobre pintura. Bjs,MZ
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