Natal. Oiço que as pessoas presenteiam menos, reduzem o furor consumista em nome da crise e do verdadeiro espírito natalício, transformado numa romagem comercial na demanda do ouro, talvez, mas seguramente não do incenso e da mirra... No entanto, leio também que se levantaram e transaccionaram centenas de milhões de euros no multibanco, mais 50 milhões do que no ano passado. Dizem-me que são os portugueses a gastar os últimos cartuchos antes que a crise se apodere dos despojos. A mim, afigura-se-me tudo uma espécie de última refeição mas, ao contrário do que é habitual, quem a paga é o condenado que sobe ao cadafalso...
Outro olhar. O evangelho do último Domingo fala da fuga da sagrada família para o Egipto. Durante anos este texto pouco me disse. Mais tarde li o episódio à luz do Evangelho Segundo Jesus Cristo, livro escrito pela pena azeda do ainda não nobelizado Saramago. Eis senão quando uma homilia inspirada me elucida – ou me proporciona um outro olhar - sobre aquele acontecimento. O apelo do padre foi claro: fugi de tudo o que possa perigar a vossa família. O meu raciocínio é muito ingénuo? Olhem...
Notícia. Li ontem, num jornal, que Elton John e o marido foram pais de um rapaz. Questiono-me se não devia integrar esta informação no texto sobre aquilo que ameaça a família. Elton tem 62 anos e o companheiro 48. Como crescerá esta criança, filha de uma barriga de aluguer, e que se chamará Zachary Jackson Levon Furnish-John?
O mundo. Parte da minha vida rege-se por um burguesismo moderno e desinteressante – se bem que confortável. Ontem jantava um resto de perdiz que mão amiga teve a infinita caridade de me ofertar. O telejornal debitava minudências: em Lisboa, uma marca espanhola decidiu chamar os clientes ao primeiro dia de saldos oferecendo-lhes benesses. Requisito? Virem de roupa interior. A perdiz é esplêndida, mas o espectáculo televisivo não deslustra. Não sinto sensualidade, mas curiosidade sobre as boxers, sobre a lingerie - mas também sobre o despreconceito de quem as usa, ao léu, num hall de centro comercial para ganhar umas calças de ganga. Na ponta do meu garfo, num equilíbrio instável, uma castanha cozinhada a preceito. Fico a saber que num outlet em Vila do Conde, dezenas de pessoas esperaram mais de oito horas para receber um vale que poderia ser de apenas 25 euros. Requisito? Traje a rigor, um conceito subjectivo, por aquilo que vi... O soutien e o smoking para tapar uma nudez em crise. Sinto um sobressalto e penso que é a minha senilidade idosa a reagir aos despautérios do tempo. Afinal é apenas um chumbo entalado no peitinho da perdiz...
Televisão. Faço zapping. Na BBC, o fim de uma entrevista com Ingrid Betancourt. Fala de uma passagem da Bíblia em que, depois de atravessado o vale das lágrimas, Deus nos presenteia com a recompensa: não é a glória, a riqueza ou a fama. É o descanso, a paz interior, para usar a sua expressão. Mais tarde, na RTP Memória, depois de no dia de Natal ter revisitado a Música no Coração, delicio-me agora, talvez pela centésima vez, com o Casablanca. O mundo não está perdido, afinal.
Música. O Moleskine despede-se de 2010 com um tom crooner. Bom Ano, para quem me lê.
JdB
Estava inspirado, JdB! Belos comentários com o toque inconfundível do dono do blogue. Um ano muito bom para si também. A escolha da musica é boa também: we all need to fly with somebody or for something. Bjs. pcp
ResponderEliminarBom ano JdB.
ResponderEliminarGosto deste vareio de temas e actualidades. Para o ano cá estaremos.
«Natal», «Notícia» e «O mundo» são três apontamentos que me fazem sentir realmente velha, João, porque tenho de admitir que o problema não seja de um planeta virado do avesso, mas de uma criatura desfasada, que já revela os primeiros sintomas de inadaptação. Felizmente, ainda há «Outro[s] olhar[es]» e há a música.
ResponderEliminarUm feliz Ano Novo! :-)
João, acabei de ler que em Espanha as grávidas, com oito meses de gravidez (para já, digo eu...) estão numa corrida (contra o tempo) aos hospitais (privados, que nos públicos aparentemente tal não é permitido) para darem à luz antes de 01.01.2011.
ResponderEliminarPara não perderem o cheque de € 2.500,00 que o governo deixará de dar a partir do próximo ano.
Programas televisivos em que os concorrentes fazem o que for necessário para que lhes paguem as facturas, idas em traje formal, ou não, às lojas, corridas à maternidade só me trazem à lembrança a letra da música dos ABBA:
«money, money, money
must be funny
in the rich man’s world»...
O Elton John e o marido (e/ou mulher, who knows) que o digam... ;-)
ÓPTIMO ANO de 2011 também para o João, continuando a inspirar este blog super simpático e aberto como é o ADEUS. Bjs, MZ
ResponderEliminarSeguindo a ordem do post.
ResponderEliminarNatal »» As transacções via multibanco aumentaram, mas será que as vendas também aumentaram? Os comerciantes queixam-se do contrário. Moral da história: acho que foi o método de pagamento que mudou de um ano para o outro.
Outro Olhar e Noticia (2 em 1) »» Moral da história: fuja do Elton e do seu amiguinho :-)
O Mundo »» Moral da história : não se deve comer perdiz e ver televisão ao mm tempo.
Televisão »» Moral da história: se não se quer perder, traga sempre consigo um comando de televisão, lol
Bom ano para todos. Mestre, um excelente 2011 para si.
Óptimos comentários, uma miscelânia de sol e de sombra... Afinal um reflexo da vida e dos anos que passam.
ResponderEliminarObrigada por continuar a pensar alto, sou apreciadora, mais, sou fã mesmo das meditações mais amargas.
Beijinhos e um ano feliz.