Confesso
que nunca morri de amores pela arte de escrever de Miguel Esteves Cardoso… assim
como vos confesso que tive uma tremenda e incómoda resistência para conseguir
terminar de ler uma única
obra do nosso antigo Nobel da literatura Saramago…bem como mantenho uma
tremenda dificuldade em entender o
porquê de tanta insistência/apoio no eterno/futuro candidato ao mesmo
prémio Lobo Antunes. Falta de formação literária dirão uns… pobreza de sensibilidade dirão outros… presbiopia
galopante, diagnosticarão aqueles que
pretenderem ser mais afectivos.
Apresentada
que está perante vós a minha penitência cinjo-me ao que conduz à minha partilha
de hoje: refiro-me aos acontecimentos que têm brindado a vida do casal (convido-vos
a ler os textos incluídos no final) Miguel
Esteves Cardoso (MEC) e Maria João (sua esposa que padece de cancro). Depois da
devida e necessária subtracção da esperada mediatização que o assunto mereceu
(e ainda merece) não consegui evitar, num determinado momento, que uma profunda onda de alegria e satisfação
me invadisse. Como naturalmente muitos
de vós tive a oportunidade de ler o artigo de MEC antes de sua mulher ser sujeita a uma cirurgia. Li e reli…mastiguei e cuspi.
Mas
quão depressa também me arrependi. Estremeci ao recordar o quanto frágil também
sou e que, como ser de emoções reajo também frequentemente de
forma compulsiva e bruta…e quantas vezes a roçar a blasfémia pergunto eu? Invadiu-me então a necessidade de me sentir
novamente um ser de paz e resolvi reler o texto mas agora com a “capa de
cordeiro”, com o meu outro eu. E pasmem-se: gostei do que li!!! Descobri
naquele “ bilhete” a partilha de um turbilhão de sensações, emoções e
sentimentos capazes de tocar a mais “alma danada”. Desde uma raiva surda a um
quase desespero criado pela súbita
tomada de consciência da impotência humana para alterar o normal desenrolar dos acontecimentos…ao misto de
medo e quase terror da possível perca de algo precioso na sua vida…o quase
conseguir-se “ouvir” o grito que clama:
ajudem-me…e no final essa coisa
maravilhosa que deus depositou nas nossas mãos e que MEC fez questão de partilhar com quem quis ler a sua
crónica: o seu amor por Maria João e o papel do mesmo na sua vida: sem tabus,
sem medos ou vergonhas, despido de preconceitos, sem a necessidade de qualquer
tipo de adorno ou “maquilhagem”…apenas ele….o ser…que partilha o seu amor por
alguém, o significado e importância desse alguém nas mais singelas e simples
decisões do seu quotidiano. O homem que se apercebeu que mais não é que um
simples e mero espectador e que neste momento precisa de aplaudir a actriz que
o acompanha na peça que é a sua vida
clamando para que não abandone o palco. Mas o ser vai mais longe: por muito que
lhe possa custar por tornar público esse
acto reconhece a sua fragilidade e vira os olhos e o coração bem para o alto
clamando por justiça e compaixão divina… para onde eventualmente não esperaria
ter de interceder…o ser, o homem reconhece a sua insignificância e procura em
desespero uma resposta ou saída onde na
realidade tudo começa e tudo se define: nas mãos do criador! Respiro profundamente e penso compreender a
sua dor. E respeito-o.
Li a
crónica onde descubro que Maria João já voltou para casa. Eu próprio consigo
sentir algum conforto com a notícia, confesso. Degusto a suave narrativa de MEC que acompanho com
um sorriso de quase cumplicidade e vou absorvendo um pouco da sua alegria,
quase felicidade, de quem volta a ter
nas suas mãos o seu brinquedo preferido fazendo renascer em si as mais bonitas
e saborosas sensações. E desde a primeira palavra até ao final da sua narrativa
é um verdadeiro escorrer de emoções, de declaração de amor em declaração, um
verdadeiro hino a uma comunhão de vida
feliz e que se pretende reforçar e perpetuar. Quase que é, às tantas, possível
cheirar o perfume de rosas que todo o seu romantismo carrega. E como homem
congratulo-me e fico feliz também. E também não deixo de parar para pensar na importância
do papel de uma verdadeira mulher na
vida de um homem. E penso: quantas vezes as valorizamos como o merecem?...quantas
vezes somos verdadeiramente merecedores do seu afecto e amor?...quantas vezes
lhes recordamos e agradecemos o facto de serem um dos principais pilares e
suporte da nossa existência?...de quanto em quanto tempo pensamos e sentimos verdadeiramente na falta que nos fazem?
Lembro-me muito bem de um dia me terem dito algo parecido com isto: “queres
saber a importância de uma pessoa na tua vida? Pensa então que ela vai
desaparecer e descobrirás”.
Acho
preferível não tomar este rumo e reconhecer atempadamente o que Deus me coloca
nas mãos. E ao tomar esta decisão lembro-me que estou em falha para com Ele. Já lhe agradeci o que me deu ontem? E o que deu hoje? E mesmo tendo-me esquecido dele, ao menos valorizo o que
tenho? Perdoa-me, Senhor pela minha ingratidão! Quero dizer-Te humildemente
obrigado por tudo aquilo que me ofereces e peço por todos aqueles que se cruzam
na minha vida e que me dês a especial bênção de os saber acarinhar e valorizar
devidamente!
E de
repente uma pequena tristeza assombra o meu pensamento: reparo que na sua
segunda crónica MEC já não faz
referência ao divino…e que não faz o devido agradecimento por ter o seu
“brinquedo” de volta . Tem no entanto a capacidade de comunicar e partilhar o
seu amor com os outros. Acredito que seja a mão dele a guiar a sua pena neste momento. E acredito que um dia MEC vai saber e querer agradecer.
JC
Se te da' algum conforto tb nunca consegui acabar um livro do Saramago e depois dos 2 primeiros nem comecar um dos so Antonio Lobo Antunes. sobre o resto nao comento porque quase todos os dias assisto situacoes dramaticas de doenca e morte.
ResponderEliminarJC, a maioria das pessoas e principalmente os homens (desculpem-me os ditos)não consegue exteriorizar os sentimentos através de palavras. Ao que parece, denota "fraqueza"! MEC é a excepção que foge à regra.
ResponderEliminarExcelente post, excelente escrita.
Quanto a Saramago, li 2 mas com alguma dificuldade. Quanto a Lobo Antunes não consegui passar da pag. 20 !
Bj e boa semana.
Maf
Só um pequeno apontamento. A crónica peca pelo tamanho da letra :-) Tive que ler com uma lupa !
ResponderEliminarO editor e dono do estabelecimento agradece este novo contributo do JC.
ResponderEliminarQuanto ao seu apontamento, MAF, a explicação é simples: o tamanho que vê é o X-large. Se o puser do tamanho original sai-me pelas bordas do computador.
Infelizmente não sei fazer mais do que isto, porque me parece que tem a ver com a forma como o documento foi scannado/gravado.