20 junho 2012

Diário de uma astróloga – [28] – 20 de Junho de 2012

Fernando Pessoa e M.C. Escher – expressões “gemiais”

Há muitos anos morei numa casa com uma entrada comprida onde pendurei um poster longuíssimo do artista gráfico holandês M.C. Escher. Atraiu-me o aproveitamento total do plano e a mutabilidade das formas.

Metamorphosis II (1939-1940)


Nessa mesma época vivia na minha mesa-de-cabeceira, para facilitar a leitura diária, um livro castanho em papel bíblia: Obras Completas de Fernando Pessoa. Nunca questionei o porquê destas escolhas – gosto e pronto. Só mais tarde, com conhecimentos astrológicos, percebi o porquê: tanto Pessoa como Escher são Gémeos como eu e, a um nível psicologicamente profundo, identifico-me com os princípios que definem as suas obras e que são fundamentais à compreensão deste arquétipo.

Gémeos como eu… é uma presunção porque nasceram num período muito mais geminiano do que eu. Os ciclos entre planetas ajudam a compreender esta afirmação. O mais curto é entre a Lua e Sol (29 dias) contado da Lua Nova, momento em que se juntam no mesmo grau de longitude celeste, até à Lua Nova seguinte. O mais longo é o ciclo entre Neptuno e Plutão que dura aproximadamente 500 anos.  Estes dois planetas juntaram-se pela última vez em 1892 em Gémeos, conjunção activa desde 1888 a 1900 pelo menos. Fernando Pessoa nasceu a 13 de Junho de 1888 e Escher a 17 de Junho 1898, por isso seus temas reflectem a energia Gémeos a nível de geração, através da conjunção Neptuno – Plutão, e a nível pessoal, através do Sol e Vénus no caso Fernando Pessoa e Sol, Mercúrio e Lua no tema de Escher.

A dualidade é fundamental no arquétipo Gémeos. Muitas das obras de Escher têm títulos como “Dia e Noite”, “Concavo e Convexo”, “Alto e Baixo. Além de dualismos são interrogações sobre onde começa um mundo e acaba outro. Como os irmãos Castor e Pólux de mãos dadas que não podiam viver um sem o outro (ver post anterior), assim no “Céu e Água”, pássaros e peixes não só coexistem como são essenciais à génese do outro, apesar de separados pelo meio onde vivem.

Sky and Water I (1938)


Esta gravura faz-me lembrar uma frase do Livro do Desassossego: "Nós nunca nos realizamos. Somos dois abismos - um poço fitando o céu." 

Escher declarou que achava o conceito de duas dimensões muito aborrecido. Por isso fugiu dele. Possivelmente foi também para evitar o aborrecimento que Fernando Pessoa procurou outras dimensões de si próprio nos alter egos que criou. "Com uma tal falta de gente coexistível, …, que pode um homem de sensibilidade fazer senão inventar os seus amigos, ou quando menos, os seus companheiros de espírito?" Na recente exposição da Gulbenkian dei-me conta do grande número de heterónimos que têm sido descobertos nos seus escritos, para além dos mais conhecidos Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis. Obviamente faltou a Fernando Pessoa gente coexistivel e, na ausência de irmãos de espirito, inventou-os, não fosse aborrecer-se. 

No post anterior afirmei que Gémeos é o malabarista do zodíaco. Gosto mais da palavra inglesa “trickster” para definir esta faceta. Trickster é aquele que faz truques, pequenas partidas maliciosas, na fronteira entre a ilusão e o logro. No seu poema Autopsicografia (1931), Fernando Pessoa identifica-se como um fingidor.


O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.

E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
….
Uma analise encontrada aqui http://novosnavegantes.blogs.sapo.pt/12284.html sugere que na segunda estrofe há referência a quatro dores diferentes, duas do autor e duas do leitor. Que multiplicidade!

Se Fernando Pessoa usa truques de palavras e de sentimentos, Escher usa truques de ilusão óptica, perspectivas impossíveis que enganam e surpreendem, um trompe l’oeil com múltiplos logros. Falando em multiplicidade, em “Relativity” há três fontes de gravidade no mesmo espaço, seis escadas e cada uma é usada por pessoas que pertencem a fontes de gravidade diferentes. Assim, por exemplo, na escada superior duas figuras lado a lado e movendo-se na mesma direcção fazem crer que um sobe e o outro desce.

Relativity (1953)


Fernando Pessoa aprovaria ….  “As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais.”

Ambos tinham uma enorme sede de conhecimento. Escher estudou a fundo matemática e geometria  e Pessoa astrologia e ocultismo. Não admira, porque Gémeos é o signo regido por Mercúrio, que na Grécia se chamava Hermes, deus do conhecimento e da invenção … e é dele que deriva a palavra hermético.

No último dia em que o Sol está no nosso signo aqui fica a minha homenagem à genialidade de dois Gémeos.

Luiza Azancot

3 comentários:

  1. Não sei que lhe diga!
    FABULÁSTICO.
    Uma análise apuradíssima e perspicaz.

    Três coisinhas mexeram comigo e tu vais entender.

    "Nós nunca nos realizamos. Somos dois abismos - um poço fitando o céu."
    Além de dualismos são interrogações sobre onde começa um mundo e acaba outro
    “As figuras imaginárias têm mais relevo e verdade que as reais.”

    Quem entende?
    Chamam-nos falsos e não percebem que a verdade é construída na interacção com os outros. Este processo tem tanto de nosso, como do que queremos que os outros vejam,como do que os outros conseguem ver e ainda, daquilo que achamos que os outros vêem em nós.
    Vivemos todos como num espelho de duas faces, mas acho que só os gémeos o sentem.

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  2. Belíssimo texto. A mistura de astrologia, com FP e Escher deu uma fantástica mistura. Obrigada por este momento de elevação cultural. pcp

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  3. "Belo" post, como sempre. Será um lugar-comum falar da genialidade do Pessoa mas, de facto, era. Já conhecia o Escher, também, e, talvez pelo facto de eu não conseguir desenhar o que quer que seja, achava-o para além de génio. As imagens que auqi puseste, sobretudo a dos peixes e dos pássaros, que é mais perceptível, são um bom exemplo.
    Quanto aos gémeos. Pois, tenho de pensar como enquadrar tudo isto que falaste neste e no post anterior nalgumas estratégias...

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