13 agosto 2012

Vai um gin do Peter’s?


A propósito de uma composição do romântico francês Victor Hugo (1802-1885), sobre o Homem e a Mulher nas suas múltiplas diferenças e complementaridades, percorri a evolução dos arquétipos feminino e masculino na pintura, ao longo dos últimos séculos.
Curiosamente, as semelhanças entre as representações de tempos distantes sobrepõem-se às modas e convenções de época. Há, de facto, denominadores evidentes nas várias expressões artísticas: nelas a elegância e a graciosidade, neles a fogosidade e a força. Nelas a suavidade sedutora ou meiga, neles a frontalidade  protectora ou possessiva. Acima de tudo, nelas a beleza e neles o poder (instituído). As maiores distinções encontram-se nas tonalidades, na luz e nas poses mais ou menos ousadas, a diferir entre os artistas do Norte e do Sul da Europa.
Ao longo do século XX, vislumbra-se nelas alguma emancipação, maior independência e autonomia. Neles a imagem de marca parece ter menos variações. 


De Michelangelo – na Capela Sistina, 1508-1512

 De VERMEER -- «Man and woman drinking wine», c. 1660

De MAGRITTE – «Paris, a rainy day», final do século XIX 

PICASSO – «The Lovers», 1923 


De Edward HOPPER –  pormenor de «Nighthawks», 1942

Para o poeta, a imagem que distingue o Homem da Mulher respeita ao universo de pertença: ele bem inculcado na terra, enquanto ela ascende às alturas mais sublimes. Claro que as palavras são sempre curtas para desvendar o mistério profundo do ser humano, na expressão dual, entre o feminino e o masculino. Além de que a visão transmitida por Victor Hugo dá voz aos símbolos clássicos, por vezes excessivamente simplificados, apesar da grandeza da peça literária. 



Os céus turquesas e muito lavados do estio em Portugal parecem fazer jus ao retrato que o romântico gaulês desenhou da mulher, situando-a «onde começa o céu»:

O HOMEM E A MULHER                                                


O homem é a mais elevada das criaturas.
A mulher é o mais sublime dos ideais.
Deus fez para o homem um trono;
Para a mulher um altar.

O trono exalta; o altar santifica.
O homem é o cérebro; a mulher o coração, o amor.
A luz fecunda; o amor ressuscita.
O homem é o génio; a mulher o anjo.

O génio é imensurável; o anjo indefinível.
A aspiração do homem é a suprema glória;
A aspiração da mulher, a virtude extrema.
A glória traduz grandeza; a virtude traduz divindade.

O homem tem a supremacia; a mulher a preferência.
A supremacia representa força.
A preferência representa o direito.
O homem é forte pela razão; a mulher invencível pelas lágrimas.

A razão convence; a lágrima comove.
O homem é capaz de todos os heroísmos;
A mulher de todos os martírios.
O heroísmo enobrece; o martírio sublima.

O homem é o código; a mulher o evangelho.
O código corrige; o evangelho aperfeiçoa.
O homem é o templo; a mulher, um sacrário.
Ante o templo, nos descobrimos;

Ante o sacrário ajoelhamo-nos.
O homem pensa; a mulher sonha.
Pensar é ter cérebro;
Sonhar é ter na fronte uma auréola.

O homem é um oceano; a mulher um lago.
O oceano tem a pérola que embeleza;
O lago tem a poesia que deslumbra.
O homem é a águia que voa; a mulher o rouxinol que canta.

Voar é dominar o espaço; cantar é conquistar a alma.
O homem tem uma luz: a consciência;
A mulher tem uma estrela: a esperança.
A luz guia, a esperança salva.

Enfim...
O homem está colocado onde termina a terra;
A mulher onde começa o céu...
VOLVOLTANDO À TERRA,VALE A PENA OUVIR E VER «A MAN’S WORLD»
VOLTANDO À TERRA,VALE A PENA OUVIR E VER «A MAN’S WORLD»
O À TERRA,VALE A PENA OUVIR E VER «A MAN’S WORLD» VOLTANDO À 
Na espantosa interpretação de Pavarotti e de James Brown, penso que dos anos 90, a célebre ária torna-se ainda mais tocante: 



Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

1 comentário:

  1. Boa observação e que delícia de imagens.
    A ancestralidade e a perenidade destas imagens têm repercussões trágicas. O arquétipo de homem e mulher, bem como toda a representação simbólica que constitui o género feminino e masculino é machista e falaciosa. O homem forte, integro e protector e a mulher frágil e desprotegida criam condições para a relação desigual em que a força, a autonomia, a resiliência e a polivalência femininas são remetidas para uma zona escura, onde se misturam os colares de pérolas e as pregas de uma sedutora saia plissada.

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