Sou reconhecidamente incoerente, não porque a coerência seja, no dizer de alguém próximo, profundamente maçadora, mas porque foi assim que cresci. Um telefone avariado atira-me para os calmantes, uma imprevisibilidade é uma porta aberta à depressão. Não obstante, quando alguém do meu círculo mais íntimo me fala dos seus problemas, não hesito em dizer: felizmente não são tragédias. A resposta, reconheço-o, é francamente irritante. Não pretendo com ela apoucar as angústias do próximo, mas exercitar a relativização. Tragédias são, de facto, as mortes inesperadas, os sofrimentos, os desempregos longos sem um horizonte de esperança, a fome, a solidão, a humilhação que a crise potenciou. Cada um de nós tem exemplos desses bem perto de si, se não for na própria casa.
Também por causa do parágrafo acima repito hoje, 18 de Novembro, aquilo que afirmei muitas vezes: apesar de tudo sou um homem de sorte. Poderia falar no facto de ter actividade profissional, recebimentos relativamente actualizados, saúde, qualidade de vida, independência financeira possível. Só isso, face às dificuldades generalizadas, já seria motivo de júbilo. Muitos outros, com competência igual ou superior à minha, foram vítimas de despedimentos, insolvências, idade avançada, inexistência de alternativas. É por isso que deveria obrigar-me a dizer, quando o telemóvel avaria e eu hiperventilo: felizmente não são tragédias.
A minha sorte não está só naquilo que é bastante palpável. A minha sorte está, também, nas pessoas que fui encontrando pelo caminho e que permitiram que eu fizesse as minhas maratonas, que pensasse sobre as coisas, reflectisse para dentro de mim próprio ou encontrasse uma explicação para o mistério que é viver. Ao não ter de lutar sofridamente pela sobrevivência, talvez tenha a sorte de estar disponível para encontrar encantos onde outros vêem trivialidades. E isto, que para muitos são minudências, para mim são determinâncias. Sempre que me expus encontrei um eco. Agradeço isso aos meus amigos.
Estas duas semanas foram particularmente fértil: dois almoços com gente que vive momentos difíceis; um telefonema que se recebe depois de uma noite agreste, revelando que os jogos de poder têm uma época; um ensaio que se partilha e que dá origem a descobertas interiores; um café ao princípio da tarde onde se serviu cultura, amizade, um olhar acima da vulgaridade dos dias; uma conversa partilhada numa manhã incerta, comprovando que nada é por acaso, e que o paredão do estoril é mais do que um sítio turístico. De todos estes acontecimentos tirei qualquer coisa. Talvez mais discernimento sobre o meu mundo, onde incluo os que me estão próximos. Talvez apenas o conforto de um chão mais seguro.
O meu interior é uma babel à espera de uma língua de fogo que interprete todos os idiomas que vou falando e ouvindo. Talvez só eu perceba a importância de tudo isto, talvez só eu descortine a relação entre um texto críptico e a frase que repito dominicalmente, porque não seria o que sou - ou o que procuro ser - se esquecesse a minha dimensão espiritual.
Sou o que digo, ou digo o que sou?
Sou o que digo, ou digo o que sou?
Hoje é Domingo, e eu não esqueço a minha condição de católico. Um bom dia para todos.
JdB
***
EVANGELHO – Mc 13,24-32
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Naqueles dias, depois de uma grande aflição,
o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade;
as estrelas cairão do céu
e as forças que há nos céus serão abaladas.
Então, hão-de ver o Filho do homem vir sobre as nuvens,
com grande poder e glória.
Ele mandará os Anjos,
para reunir os seus eleitos dos quatro pontos cardeais,
da extremidade da terra à extremidade do céu.
Aprendei a parábola da figueira:
quando os seus ramos ficam tenros e brotam as folhas,
sabeis que o Verão está próximo.
Assim também, quando virdes acontecer estas coisas,
sabei que o Filho do homem está perto, está mesmo à porta.
Em verdade vos digo:
Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça.
Passará o céu e a terra,
mas as minhas palavras não passarão.
Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém os conhece:
nem os Anjos do Céu, nem o Filho;
só o Pai».
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus discípulos:
«Naqueles dias, depois de uma grande aflição,
o sol escurecerá e a lua não dará a sua claridade;
as estrelas cairão do céu
e as forças que há nos céus serão abaladas.
Então, hão-de ver o Filho do homem vir sobre as nuvens,
com grande poder e glória.
Ele mandará os Anjos,
para reunir os seus eleitos dos quatro pontos cardeais,
da extremidade da terra à extremidade do céu.
Aprendei a parábola da figueira:
quando os seus ramos ficam tenros e brotam as folhas,
sabeis que o Verão está próximo.
Assim também, quando virdes acontecer estas coisas,
sabei que o Filho do homem está perto, está mesmo à porta.
Em verdade vos digo:
Não passará esta geração sem que tudo isto aconteça.
Passará o céu e a terra,
mas as minhas palavras não passarão.
Quanto a esse dia e a essa hora, ninguém os conhece:
nem os Anjos do Céu, nem o Filho;
só o Pai».
Obrigadíssima, JdB, pela sua partilha tão rica e humana, que dá mais sentido ao Domingo e à Palavra que nos chega pelo Espírito Santo, MZ
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