24 junho 2013

comércio

há muitos, muitos anos,
no tempo em que íamos juntos
ao cinema e ao teatro,
a cidade era ainda feita
de nervo e de carne-viva,
sobressaltada matéria solar.

neste tempo em que nada já
nos faz saltar o arame-farpado,
cinemas e teatros são só memórias,
polaroids de figuras extintas,
exactamente como tu,
exactamente como a nossa carne.

os livros que agora lemos,
cada qual em sua distante latitude,
são a cerimómia possível,
alta cultura para corações baixos,
esconjuro destes lutos vários
que carregamos ao peito.

não espanta que a feira de outrora
seja apenas uma superfície comercial,
carrossel ridículo de cheiros coloridos
e de "hits" literários à espera da televisão.

livros, teatros, cinemas - tu e eu -
uma desconsolada irmandade de "has beens",
cartazes descolorados pelo tempo
e pelo manto da mais fria estação.

aquilino e camilo são gigantescos "pop ups",
inabitadas ilhas desertas cercadas 
pela espuma e pela ferrugem.

letras mortas que a maré traz.

gi.

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