A primeira longa-metragem
do luso-descendente, Ruben Alves (R.A.) está a ser um sucesso em França,
Bélgica, Suíça, Luxemburgo e agora em Portugal, desde que estreou, há uma
semana. «GAIOLA DOURADA»(1) é um filme com alma, e alma portuguesa, arriscando dar um retrato
delicioso da vaga de emigração portuguesa dos anos 60. Gente de coragem, bem
pobre e pouco qualificada, que singrou a pulso no exigente mercado francês (e
não só), distinguindo-se pelo profissionalismo, capacidade de adaptação,
tenacidade e uma paciência próxima do heróico. O que aturaram e aturam, é obra!
Não por acaso, numa das partes divertidas desta comédia light, com saídas
lapidares, é uma francesa dos quadro costados (só podia!) que se faz passar por
prima da típica porteira emigrante (Rita Blanco) para responder, à letra, à
condómina mais perfeccionista e cansativa de Paris, dizendo-lhe tudo o que os
emigrantes gostariam de lhe responder, se pudessem. Mas só até ao dia… como nos
mostra o filme. Porque nada mais imprevisível do que a própria vida, que dá tantas
voltas. Surpreendente!
Mistura feliz de pessoas com
percursos,
origens, gostos e hábitos diferentes. |
A lembrar vagamente um
fresco sociológico, ao jeito de um Almodôvar em versão benigna e até
respeitosa, percebe-se por que o realizador dedica a obra aos seus pais e à
comunidade portuguesa radicada em França. Percebe-se por que aqueles
trabalhadores dedicados e talentosos são o sustentáculo do patrão, fiáveis e
rigorosos como um pêndulo suíço. O maior pânico dos chefes é antever o dia em
que os seus mais fiéis colaboradores resolvam debandar para outras paragens. É
com mil atenções que a família do empresário francês lida com a sua autoritária
empregada emigrante, uma governanta à antiga, mal disposta, que gere a grande
casa parisiense com pulso de ferro... Incontestada, claro. Até as falhas (de
gargalhada), aqui e ali, são engolidas pelos patrões, cuidadosíssimos na gestão
do relacionamento com a sua bonne de
estimação – uma Maria Vieira sempre espontânea e cómica, no seu estilo meio
brejeiro – entre companheirismo, aceitação máxima e obediência total a Rosa. Tudo muito pragmático, para
garantir um final feliz a todos.
A voz de comando em casa dos franceses.
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Claro que há uma boa dose
de fantasia, porque estamos num registo estilizado e favorável para as várias
partes. Até o francês dos emigrantes é invulgarmente bom, da pronúncia à
gramática, apesar das frases fantásticas numa algarviada de línguas: «Tout va
bien, mana». Assim como tudo o que toca a Maria,
quase demasiado comedida e soft. Simultaneamente, também há uma boa dose de realismo
e autenticidade nas personagens e nas situações, permitindo-nos reconhecer e
enternecermo-nos com os perfis que ali contracenam. Como diz R.A.: «O que me inspira mais é a própria vida.»
O título inesperado do
filme vem da herança imprevista a convidar Maria
e José a regressar à casa de família,
no Norte de Portugal e largar a sua nova terra, na capital gaulesa. Mas será
que os franceses e portugueses de Paris os deixam partir? Fazem tanta falta,
que todos tentam encurralá-los numa gaiola dourada. Como se fosse possível – haverá
sítio mais dourado que as margens do
Douro?
Num
ritmo rápido, por entre cenários pensados ao detalhe, sucedem-se gaffes e gags
divertidíssimas, a mostrar as disparidades de código e convenções entre povos e
classes sociais distintas, mas sem beliscar uns e outros. Perpassa antes uma
atitude de respeito e até carinho. Nas palavras do realizador, actor e co-argumentista,
percebe-se que quis «contar uma história
que vem do coração». A vontade de bom entendimento entre todos torna o
filme luminoso, positivo. Caberá depois a cada um ver com os seus próprios
olhos…
O célebre fim-de-semana num hotel de
charme francês, perdidos entre uma cama king size e a coreografia rigorosa de
um room service encriptado! Ele que só queria ver o Benfica-Porto…
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A baralhada com a história e a língua portuguesas, dá cenas hilariantes.
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Respira-se bonomia e uma
incrível onda de ternura, que desmancha tudo e todos, sobretudo através da
atitude suave e conciliadora da incansável porteira, sempre pronta a ajudar. A
escolha de Rita Blanco para o papel foi certeira, como percebeu o realizador:
«Ela na comédia é muito boa, porque consegue pôr muita verdade e ternura no
olhar da personagem.» Isso ajuda a explicar o êxito do filme junto de todos os
quadrantes da sociedade francesa, a começar pela classe alta e incluindo também
as comunidades árabes magrebinas.
Mesmo a figura problemática
da filha (a menos compreensível para a equipa francesa, segundo R.A.), que tem
dificuldade em assumir as suas raízes lusas, de origem humilde, não afecta o
tom descomplexado do conjunto, sendo apenas um elemento adicional a enriquecer
a galeria de perfis psicológicos. Aliás, também é das que mais evolui, ao longo
do filme.
A filha da porteira portuguesa e o filho do patrão francês, com o
ex-namorado de Paula atrás – Ruben Alves, também realizador e co-argumentista.
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R.Blanco e Joaquim de
Almeida têm um desempenho primoroso no papel do simpático casal emigrante,
encarnando a típica concierge casada
e bem casada com o mestre de obras, adorados pelos respectivos patrões. E
demasiado requisitados… Genericamente, o elenco de actores está muito
conseguido, assim como o guarda-roupa, a facilitar a rápida caracterização das
personagens e dando azo a momentos hilariantes. A primeira escolha do casting
português foi o J.Almeida, a partir de um encontro providencial, num cocktail
em Cannes, onde o actor teve uma saída que R.Alves achou a expressão típica e
cómica da portugalidade mais comum: Então,
não há aqui nada para comer? Tinha de ser o José do casal protagonista. Até porque lhe encontrou «uma parte
comovente», pouco a ver com os papéis de duro que são a sua imagem de marca.
Por junto: «todos eles (actores lusos) têm Portugal dentro deles», pelo que a
aposta estava ganha.
A algazarra branda da casa portuguesa.
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Não podia faltar o fado.
Pela voz de Catarina Wallenstein, acompanhada pela guitarra portuguesa, foi uma
cena filmada em directo, numa pequena casa de fados de Lisboa, sem reposições
nem montagens. Mal R.A. gritou o “corta” à equipa, nem queria acreditar que
estava lavada em lágrimas. E todos franceses. Tinham-se deixado embalar pela
emoção de um fado entoado com a convicção das canções muito antigas, que se
perdem na voragem dos séculos! Pode nem se perceber a letra. Mas
adivinha-se-lhe a intensidade. E neste, pede-se para viver em Portugal os
momentos finais da vida… Resulta ainda mais tocante por a surpresa do serão
fadista ter sido preparada e oferecida a Paula
(filha de Maria e José) pelo seu noivo francês.
A frescura do volte-face
do argumento parece a história do Jacinto de «A Cidade e as Serras», contada do
avesso. Apesar da enorme decalage temporal e das óbvias diferenças narrativas, há
um movimento de coração, uma conversão interior, que tem algumas semelhanças.
Aliás, do lado francês, as afinidades com Jacinto na chegada aos socalcos
mágicos do Douro, ou o deliciar-se com os pastéis de bacalhau de Maria, são por demais evidentes.
Vista fabulosa da Quinta dos Malvedos (família Symington),
no Douro, onde termina o filme.
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A
proximidade e a excelente articulação entre todos os elementos envolvidos nesta
produção, dos actores das duas nacionalidades à equipa técnica, são outros dos
trunfos de R.A., que gosta de funcionar em grupo: «Fui fazer um curso de teatro mas
mais para ter este ambiente que eu adoro do grupo, (…) acredito num sentimento
muito agradável… de estar a trabalhar com os outros, olhar os outros…».
O tempo foge e nem
queremos acreditar que o filme se esgota demasiado depressa. Dá gozo gostar de uma
obra onde se respira tanto de Portugal. Incisiva, sem ser excessivamente
analítica. Com sentido crítico, mas sem carga negativa. Leve sem excesso de simplismos.
Caricatural mas esquivando-se ao histriónico. Sente-se o que explica R.Alves: «Tentei dar uma
alma portuguesa a este filme francês. Talvez seja o filme francês mais
português de sempre.»
A sala esgotada (todas as noites), no Corte
Inglês, não resistiu a bater palmas, no final, com pena que o realizador não as
pudesse ter ouvido em directo. Parte-se com vontade de festejar e transpor a tela
para nos juntarmos ao animado grupo luso-francês, na mesa comprida da quinta do
Douro, sob a luz dourada e quente do Verão nortenho, nas bordas daquele rio de
sonho. Ao som de Uma casa portuguesa, com
certeza, é um programa a saber a férias.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico,
para daqui a 2 semanas)
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(1)
FICHA TÉCNICA
Título
original:
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LA CAGE
DORÉE
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Título traduzido
em Portugal:
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A GAIOLA
DOURADA
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Realização:
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Ruben Alves
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Argumento:
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Ruben Alves e Hugo Gélin
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Produzido por:
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Zazi Filmes, Pathé, TF1
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Fotografia:
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André Szankowski
(brasileiro residente em Portugal)
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Banda Sonora:
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Rodrigo Leão; supervisão de Raphael Hamburger
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Duração:
|
90 min.
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Ano:
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2013
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País:
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Portugal,
França
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Elenco:
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Rita Blanco (a porteira, Maria)
Joaquim de Almeida (o mestre-de-obras, José)
Roland Giraux (o empresário e patrão de
Jose, Francis Cailaux)
Chantal Lauby (a mulher do empresário)
Lannick Gautry (filho do empresário)
Bárbara Cabrita (Paula, a filha do casal
português)
Maria Vieira
(Rosa, a empregada do empresário)
Jacqueline Corado (irmã de Maria)
Ruben Alves (Miguel, a ex-namorado de Paula)
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Local das filmagens:
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Paris,
no Douro: Quinta dos Malvedos (da família Symington)
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Site oficial:
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http://www.pathefilms.com/film/lacagedoree
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Trailer disponível em www.youtube.com/watch?v=uwXp0ZhXAoY&feature=player_embedded
Bem dito, tem algo do Almodovar, sim. Achei um filme muito engraçado, muito nosso, feito com o coração (como vi algures escrito). Bjs. pcp
ResponderEliminarO próprio realizador diz que os filmes lhe saem do coração... Por esta comédia soft, percebe-se que será assim. Bjs, MZ
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