21 novembro 2013

Crónicas de um mestrando tardio



***

O enunciado do 4ª ensaio era este. A minha contribuição fica abaixo, para os que mantêm uma paciência estranha em seguir-me os escritos.

JdB

***

1. Sobre Bouwsma
Para Bouwsma, os poemas estão para as asserções como as baleias estão para os peixes. Existem semelhanças mas, de facto, a baleia não é um peixe. Assim...
Para o filósofo, “um poema são palavras, palavras, palavras. Os poemas são lidos, não asseverados, não negados, não obedecidos, não concordados, não respondidos, não informam, não dizem nada.“
E diz ainda: “Afirmei anteriormente que uma palavra tem significado num jogo de linguagem. Mas o poema não é um jogo de linguagem. Poderia por isso concluir-se que a palavra, num poema, não tem sentido. E no entanto, a palavra num poema só tem vida na medida em que é parasitária em relação a uma palavra hospedeira usada no movimento normal da vida.”
A linguagem da poesia é, para Bouwsma, uma linguagem num dia isento de trabalho. Está de férias e nada de prático se faz com ela – não se aspira uma carpete, não dá azo a uma queixa sobre a meteorologia ou a uma descompostura por causa de lama nos sapatos. Nada.
De facto, Bouwsma entende que nenhum poema faz sentido. E revê-se na frase do finalista universitário que afirmava que “a poesia não mente, pois não afirma”.
***
2. Sobre Isenberg
O seu ensaio (A Poem by Frost and Some Principles of Criticism) está dividido em duas partes, como o seu autor refere logo no primeiro parágrafo: na primeira parte, o filósofo tenta uma leitura crítica do poema A Star in a Stoneboat de David Frost. Na 2ª parte, ‘repensa’ a sua posição, revendo algum do conteúdo do seu criticismo.
***
Isenberg refere-se ao poema como sendo “essencialmente um encadeado de imagens, todas iguais e paralelas, desenvolvendo a única ideia. O desenvolvimento não é progressivo mas iterativo; é como um conjunto de variações comparadas com a estrutura da sonata. Não é suposto chegar a lado algum; é suposto acrescentar, deliciar-nos com um fio de pensamentos semelhantes e diferentes.”
E termina a primeira parte do seu ensaio: “não posso fugir da convicção de que o poema está mergulhado num filme meditativo que colapsa quando tocado por um alfinete; e isto impede-me de assumir a sua inocência.” 
Durante as primeiras páginas, Isenberg percorre as várias estrofes do poema escalpelizando e identificando o sentido das palavras e a consonância das imagens à luz de uma linguagem comummente utilizada. Com esse chapéu na cabeça, é-lhe quase impossível não tropeçar em inúmeras incoerências, como, por exemplo, na frase the one thing palpable besides the soul, considerando que, convencionalmente a alma é, por definição, impalpável.
Chega a perguntar várias vezes ‘porquê?’, para se questionar – ou questionar ficticiamente o poeta – quanto à utilização de uma subjectividade que considera “incomodativa”: porquê poetas, porquê Pégaso, porquê o carro voador, porquê isto mais prático do que aquilo? O filósofo, como refere no início da segunda parte, exerce o seu criticismo assente em regras (standards, no original) da lógica e da ética.
***
“Uma vez que os versos não são maus, e uma vez que a lógica diria que são maus (isto é, falsos,  não comprovados), o veredicto crítico não pode ser o lógico (...)”
Isenberg, na sequência, aliás, do que já tinha afirmado na abertura do ensaio, de alguma forma ‘repensa’ (poderia usar-se a expressão ‘inverter’?) o sentido do seu olhar sobre o poema – agora à luz de uma não-lógica, mais do que de uma ilógica, expressões utilizadas na sua referência à décima estrofe.  
Isenberg refere-se então especificamente à oitava estrofe, argumentando que, da sua análise anterior, poderia inferir-se que a figura de estilo utilizada seria contrafactual. Mas, uma vez que o filósofo considera utterly fantastic a ideia de dois dos versos desta estrofe (os melhores do poema, segundo ele), uma tal apreciação teria de estar errada.
Parte significativa do vocabulário utilizado nos poemas refere-se a coisas que existem. Têm um significado genericamente aceite por todos.
(...)
Pelas ruas e estradas
onde passa tanta gente,
uns vêem pedras pisadas,
mas outros gnomos e fadas
num halo resplandecente!!
(...)
‘Ruas’, ‘estradas’, ‘gente’, nesta estrofe do poema Impressão Digital, de António Gedeão, remetem-nos para objectos reais. Uma rua é uma rua, uma estrada é uma estrada, que todos vemos e por onde passamos todos os dias. Ora, no penúltimo verso, o poeta fala em gnomos e fadas. Estes seres não existem,  mas fazem parte do nosso imaginário, remetem-nos para um mundo de fantasia. O significado, o sentido, na expressão de Isenberg, permanecem além da realidade, do facto. 
“Este sentido da palavra é transportado com ela, por meio de uma espécie de inércia, para as estruturas da frase, onde se combina com os sentidos de outras palavras para conferir um significado todo novo.  Este significado é a ideia ou a percepção do poeta;(...)”
É por isso que a leitura desta estrofe  de Gedeão – e, afinal, de todos os poemas - deve ser lida à luz de uma certa não-lógica, como se lêssemos com o coração, citando uma famosa raposa. E nesse sentido, não nos ocorre questionar se alguém pode ver gnomos e fadas em halos resplandecentes, ou o que vê Sancho e D. Quixote, porque são tudo seres e personagens irreais ou fictícios, saídos de imaginações férteis. Quando lemos esta estrofe podemos, como refere Isenberg, criticar a ideia, não devemos comparar o que quer que seja com a realidade, muito embora estas palavras que referem inexistências  - fadas, gnomos, D. Quixote – tenham conotações de valor, se não de facto.
Refiro, por último, as últimas quatro linhas do ensaio, que talvez dêm um contributo importante para a resposta ao enunciado: “a nossa resposta estética não é moralista; e no entanto, não é por ignorarmos valores morais que compreendemos e julgamos a poesia, pois estes valores desempenham um papel de significados experimentados, chamando-se para a frente e para trás, na textura do verso”.

Concordaria Isenberg com a afirmação de Bouwsma, segundo a qual there are no poems that mean?. Inclino-me a dizer que não, não concordaria.

1 comentário:

  1. Muito arrevesado! Gostei mas não acompanhei completamente... Espero não desistir de o seguir.
    Beijinhos,
    Rita

    ResponderEliminar

Acerca de mim