05 novembro 2013

Duas últimas

Há três semanas, talvez, colaborei no baby-sitting de uma criança de dois anos. Durante um fim de semana partilhámos os mesmos espaços de uma casa e eu acompanhei-lhe os sonos, as brincadeiras, as refeições. O seu afecto ingénuo manifesta-se no sorriso com que me recebe, na ligeireza com que me dá a mão ou me pede colo, na prontidão com que pergunta por mim e aponta o meu carro. É uma criança simpática, com quem é fácil estar-se.

Quando esta criança olha para mim não tem nada prévio dentro dela, isto é, não há memórias de cheiros, de arquitecturas, de imagens que lhe condicionem o afecto por ninguém. No fundo, tem um disco rígido totalmente vazio, ansioso, quase, por enchê-lo com o amor dos mais próximos. E eu dei por mim a olhar para esta criança e a pensar na felicidade que é ser-se assim, sem ideias preconcebidas, sem noção de saudades e de ausências, totalmente disponível para tudo o que é um beijo, um jogo, uma mão que se dá para que a escada se torne segura.

Talvez devêssemos todos ambicionar esta simplicidade de criança, de que Jesus já falava. Olhar para os outros, para a vida, com uma mente e um coração desprovidos de memórias que tantas e tantas vezes nos condicionam a relação com os outros, connosco próprios. Uma simplicidade de criança, era o que dava jeito, aqui e ali.

***

Deixo-vos com uma parte da Cantata BWV 140, de Bach, que ouvi a semana passada na Igreja de S. Roque, num concerto magnífico com Tom Koopman e o coro da Gulbenkian. As versões (iguais) são adaptadas à mestria de Jacques Loussier e à dos Swingle Singers.

JdB


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