Há umas semanas fui ver "Invencível", filme de Angelina Jolie baseado na história verídica de Louis "Louie" Zamperini. Um dia destes, no meu zapping habitual, tomei conhecimento que a mulher negra mais rica do mundo (mas que raio de classificação...) já não é Oprah Winfrey, mas uma nigeriana. Em que se assemelham os dois casos? Na ideia de que a existência de Deus é determinante, seja como fonte de inspiração, seja como motivo de agradecimento.
Zamperini, náufrago no mar, pede a Deus que o salve. Folorunsho Alakinja reza todos os dias - depois de beijar o marido, esclarece. O filme de Zamperini é sobre a aceitação e o perdão, mais do que sobre a violência desumana. A nigeriana é católica e filantropa, financiando uma associação que trabalha com viúvas e com crianças desamparadas. O que une as duas histórias separadas por tantos anos e tantos quilómetros? A existência de Deus, repito.
Na vastidão da história e da geografia humana, milhares de seres humanos subiram a um patamar de excelência na atenção ao outro. Uns eram crentes, outros ateus, outros qualquer coisa de diferente. Uns tornaram-se heróis referidos nas revistas e nas enciclopédias, nos altares ou nas orações; outros foram santos do quotidiano (que é uma forma de heroísmo), tendo-se realçado anonimamente nas vidas corriqueiras e domésticas, nas actividades profissionais ou de voluntariado, percebendo que não é a competência nem a inteligência que nos salvam, mas a ética, a correcção, o modo como tocamos a vida do próximo.
O que une todas as histórias? A ideia de algo ou alguém superior a nós: Deus, uma criança doente, um idoso acamado, um homem embrulhado em cartão no frio urbano da madrugada, uma relação afectiva, todos aqueles que tornámos transparentes porque não calcorreiam os mesmos corredores universitários que nós, não se sentam nas mesmas salas quentes e acolhedoras dos nossos amigos, não têm os mesmos códigos linguísticos que nos diferenciam quando nada mais visível o fizer. A ideia - talvez mesmo a certeza - de que perante uma realidade maior, há uma infinidade de ninharias que deveriam ser postas de lado: o nosso orgulho, a nossa razão, a nossa aparente dignidade, o nosso conforto, as nossas certezas.
(olho para o início do parágrafo anterior e sim, Deus está lá ao princípio, como podia estar no fim, porque Deus é igual, neste sentido, à criança, ao sem-abrigo, ao emigrante, à relação...)
Há muitos muitos anos, um colega de liceu dizia que era preciso olhar além do desfocado. Uso e abuso da expressão. O desfocado é o dia a dia. Olhar além é ver o fio do horizonte, ver Deus a alargar-nos os espaços, atentar em algo que sobressai da rasteirice das questiúnculas, dos jogos de poder, dos exercícios da autoridade ou dos argumentos que se vincam como quem espeta uma cavilha em chão pedregoso.
JdB
ResponderEliminarAMÉN.