12 setembro 2017

Dos comboios e das camionetas

Tenho fases na minha vida: vão, vêm, ficam mais tempo, saem de repente, inquietam-me ou suscitam-me a nostalgia, a tal felicidade de estar triste. A fase que mais permanece, que teima em não ir embora, não obstante eu a não desejar, é o excesso ponderal. Tal como o anúncio do toyota (parece-me) veio para ficar. 

Desenvolvo dentro de mim uma fase diferente, quase a roçar a obsessão: a de ir à América do Sul e fazer lá uma parte da viagem de comboio ou de camioneta. A esse propósito, até já tenho prevista uma conversa com uma jovem rapariga que, acompanhada de uma amiga, de uma mochila e de muita aventura, andou dois meses por esse continente. Obviamente que tomarei em consideração algum conforto, alguma segurança, alguma higiene. Mas a ideia desta aventura (que não é mais do que a procura de um tempo perdido) vai crescendo dentro de mim com alguma perigosidade. 2019, se a vida me der estabilidade nas suas várias vertentes, porque para 2018 já tenho outros planos.

Um dia destes, falho de imaginação e saudoso daquele tempo, fui ver onde estava naquele momento, mas em 2008, no Zimbabwe. Não só onde estava, mas o que escrevia, o que pensava, qual o meu estado de espírito. Durante 15 minutos entreguei-me a um exercício de rememoração, saudoso de um tempo em que escrevia com uma ligeireza que até a mim me espantava, mas saudoso, também, de uma viagem duradouramente marcante. Nesse mesmo dia, no dia anterior ou no dia seguinte, já não me lembro, alguém me manda um sms: está a dar um programa sobre comboios no Zimbabwe; talvez gostes de ver. Não vi naquela altura, vi depois. Mas vi com os olhos do coração e das lembranças - as pessoas, as cataratas, os apertos de mão prolongados, o silêncio de um comboio a atravessar o silêncio da noite num campo com pouco mais do que palhotas e miséria, a simpatia indígena, o tempo cronológico pela frente que se esgota em poucos entretenimentos, a não ser a atenção aos outros.

Não viajei no comboio que atravessa o Zimbabwe e que chega às cataratas; visitei-as burguesmente de avião, o que não me impediu de fixar o ar húmido e minado de gotículas, a beleza estonteante daquele local que põe as cataratas do Niagara na segunda divisão. 

Entre aquela viagem e a ideia de uma camioneta na América do Sul o conjunto intersecção não é vazio. Não há, para esse efeito, diferença entre Harare e Bogotá, entre o campo zimbabueano ou uma feira em Lima - tudo se resume à lentidão com que se observa o mundo em redor, e o que isso nos diz das pessoas, do mundo, de nós próprios.

JdB 

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