SÓ ESCHER PARA JUNTAR BACH E PINK FLOYD; COM OBRA EXPOSTA EM LISBOA
Até ao próximo Domingo, 27 de Maio, decorre no Museu de Arte Popular, junto ao Padrão dos Descobrimentos, a mostra de 200 gravuras do artista gráfico holandês Maurits Cornelis Escher(1) [1898-1972], cujo surrealismo marcou o mundo da cultura, alargando-se à matemática, psicologia, alta costura, publicidade, etc. Basta descobrir a sua obra para perceber como continua a ser glosado. Até a publicidade do IKEA foi contagiada pela Eschermania, conforme se prova no final do circuito expositivo.
O acervo exposto provém da Fundação Escher[http://www.mcescher.com/] e da colecção do italiano Federico Giudiceandrea, contendo algumas das litografias mais emblemáticas de padrões geométricos que se metamorfoseiam ad infinitum ou as construções impossíveis que continuam a maravilhar o mundo.
Em 1969, os Pink Floyd conseguiram uma capa para o seu disco «Yet another movie»; mas Mick Jagger viu recusado o pedido para a capa do «Let it bleed», em 1968. Nessa década do Flower Power , a nova geração intuía com lucidez o vanguardismo de Escher, defensor de ideias arrojadas e carismáticas como: «Só quem tenta o absurdo, consegue o impossível».
A exposição segue um rumo cronológico, evidenciando as diversas etapas do seu percurso artístico, começando pela Arte Nova e os efeitos de ilusão óptica. Da infância, conta que ficou marcado pelos trompe d’oeil pintados no tecto da casa dos pais.
«Ondas», 1918. Aguarela em cinzentos e vermelhos. |
Nos estudos, o mestre holandês de grafismo Samuel Jessurun de Mesquita (1868-1944) guiou-lhe os primeiros passos, incutindo-lhe um rigor que conferiu maior substância à criatividade de Escher, invulgarmente esmiuçada ao pormenor. Sempre agradecido, Maurits dedicou-lhe uma obra, quando soube que tinha morrido em Auschwitz, simplesmente por ser judeu (de provável ascendência portuguesa).
Entre 1921 a 1936, vagueou por Itália, apaixonado pelo país e também por Jetta Umiker – filha de um empresário suíço, que ali conheceu e com quem veio a casar. Maravilhou-o a beleza da paisagem e a beleza da arquitectura, o extraordinário equilíbrio dos volumes, no fundo, muito ousado e difícil de alcançar. Em Roma, privilegiou as observações nocturnas para se poder concentrar melhor no esqueleto arquitectónico. Costumava dizer: «Quem se maravilha com alguma coisa, descobre que [essa atitude] é uma maravilha em si mesma».
«Catedral Submersa», 1929 |
«Roma e o Grifo Borghese», 1927. Bastavam-lhe linhas rectas e curvilíneas para tecer um entremeado denso, que reproduzia na perfeição a realidade observada. |
A partir de 1936, a ferocidade explícita do regime de Mussolini, conduziu-o a outras paragens europeias, em especial a Suíça e a Bélgica (até 1940). É também desta fase a descoberta da beleza geométrica dos monumentos muçulmanos do sul da Europa. Alhambra (1238-1492) inspirou-lhe 17 estudos sobre modalidades de preenchimento, a partir de formas simples como triângulos, quadrados e círculos, em tesselações que usavam o contraste para obter novos efeitos e produzir novas percepções. Além da diferenciação por contraste, jogava também com a semelhança gradual, até à fusão das formas, quando se rompia o estaticismo dos dados iniciais e estes deslizavam para outros formatos, gerando movimento. O conjunto final acabava por impor uma nova leitura, que mal deixava adivinhar os elementos primários que o compunham. À regularidade da arte maometana, Escher acrescentou figuras, replicando-as com a mesma técnica padronizada. Curiosamente, esta é também a génese da azulejaria portuguesa.
«Progressivamente menor», 1956 |
A partir dos anos 40, a busca de novos universos, capazes de estimular novas percepções, passou a marcar a sua obra, explorando incessantemente modos inovadores de cruzar e entrelaçar elementos simples. Jogava, sobretudo, com o branco e o preto, que baralhavam o cérebro humano: «Os nossos olhos estão habituados a fixar objectos específicos».
«Metamorfose I», 1937. A mais conhecida das «Metamorfoses» é a III, datada de 1967 – concebida para a sede dos Correios holandeses, em Haia. |
A posterior investigação do espaço, levou-o ao estudo exaustivo da matriz dos cristais e das superfícies topológicas, como as fitas de Möebius, evoluindo para uma etapa mais abstracta e de base matemática. Mergulha, então, no zoom; no quadro-dentro-do-quadro repetido exaustivamente como bonecas-matrioskas; na deformação das formas como se fossem moldáveis; nas imagens distorcidas quando reflectidas em superfícies espelhadas convexas ou côncavas; nos paradoxos, antecipando-se a Magritte; por junto, no constante ludíbrio que procurava atirar a realidade conhecida para um patamar onde adquiriria novo visual e só na aparência era regido pelas leis do planeta Terra.
«Encontro», 1944 |
«Três esferas», 1945. Distorções intencionais destinadas a explorar novos paradoxos geométricos. |
A invulgaridade de Escher está na origem desta busca insaciável, alimentada pela sua especial afeição pela realidade, nomeadamente pela riqueza infinita do mundo natural, à primeira vista simples e monótono. Cedo percebera a incomensurabilidade que se esconde na mais ínfima expressão da natureza, a começar pelas tramas esfarrapadas de musgo ou pelo rendilhado semi-oculto da folha de árvore mais banal: «Desejo encontrar a felicidade nas coisas pequenas, num bocado de musgo (…), copiar estas coisas infinitesimalmente pequenas, com tanta precisão quanta é possível». Por isso, encontrou terreno fértil tanto no micro como no macrocosmo, ali desbravando modelos para reformular e reinventar as matrizes conhecidas.
«Gota de orvalho», 1948 |
Conseguiu também impregnar de humor as acrobacias matemáticas das suas produções surrealistas, embora não o movesse o mero sentido lúdico. Era sobretudo animado por uma curiosidade perscrutadora, semelhante à do cientista, rigorosa até ao mais ínfimo detalhe. Uma vez processados os dados, propunha-se esticar a lógica até ao impossível, qual filósofo. Dizia: «A ordem é a repetição da unidade. O caos é a multiplicidade sem ritmo.» Nas suas descobertas sobre a organização do cosmos, irritava-o a falta de originalidade das construções humanas, escusadamente espartilhadas em banais ângulos rectos.
«Mãos a desenhar», 1948 |
Chanel adorou e replicou a elegância das suas geometrias harmoniosas e bem dispostas. Empresários e magnatas encomendaram-lhe, ano após ano, cartões de aniversário e convites para festas privadas.
Nos anos 50, Escher movia-se com incrível naturalidade por entre estruturas impossíveis, que mantinham um nexo lógico a equivocar o cérebro, tornando as suas obras intrigantes.
Especificamente, na «Galeria da Gravura» (1956), o holandês preferiu deixar em branco o ponto de fuga. Essa lacuna entusiasmou uma equipa de matemáticos, liderada por Leustra, que quis resolver o enigma lançado por Escher. Demorou meses até apresentar uma solução de preenchimento do espaço em aberto (2003), conforme se vê na exposição.
Espantoso um artista fã de Bach apaixonar os rockers com idade para serem seus netos! Espantoso o alcance da sua arquitectura do absurdo demonstrar a validade dos diferentes pontos de vista de cada observador, que podem chegar a resultados opostos. Espantosa a sua ânsia de infinito, representando-o em formas inéditas que desejavam suplantar as possibilidades oferecidas pelo mundo visível.
No fundo, percebe-se por que a genialidade meticulosa de Escher aguentou tão bem o exigentíssimo teste do tempo, catapultando-o para a intemporalidade.
Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas, numa Quarta)
_________________________
(1) http://escherlisboa.com/ . Horário – Todos os dias, das 10h00 às 20h00, mas a última entrada é às 19h00, hora em que encerra a bilheteira. Tel. para info sobre bilhetes e reservas – 21 034 30 80.
MZ, aí vai...
ResponderEliminarMuito bom trabalho, sobretudo atendendo à simplicidade do seu relato sobre uma.personalidade "difícil".
Ainda bem que deixou um link para a exposição — foi prolongada!
E, também vou molhar o pão, em Inglês: «I don't use drugs, my dreams are frightening enough»
cumprimenta eo