28 março 2019

Da estranheza de ouvir Shakespeare em francês

Na semana passada fui ver Romeu e Julieta de Gounod à Gulbenkian. Do alto da minha ignorância, e se me tivessem perguntado o que compôs o músico francês (Paris 1818 - 1893), teria respondido sem hesitar: uma ave-Maria... Compôs mais, muito mais, mas não é a contabilidade musical que aqui me traz. 

À saída perguntei a opinião a amigos que também haviam assistido ao concerto. Nenhum dos dois gostara, e um deles disse-me uma frase enigmática que não explorei, porque entretanto se interpôs uma multidão e, posteriormente, uma ceia: Faltou ali Shakespeare... 

Romeu e Julieta é, de facto, uma obra de Shakespeare. Na ópera de Gounod, no caso vertente com uma encenação moderna e uma história que pode desviar-se um pouco (muito ligeiramente, penso eu) do original, os protagonistas falam em francês. Por outro lado, para mim ópera tem três línguas: italiano, alemão e russo, cada uma com as suas peculiaridades. O francês associo-o à opereta. Assim sendo, ouvir uma ópera em francês já pode ser um motivo de estranheza. Se lhe associarmos a estranheza de ouvir uma peça de Shakespeare em francês...

Não tenho a certeza de o meu raciocínio estar certo. Ouviria de bom grado o Hamlet em português ou em inglês, mas estranharia ouvi-lo em francês. Não há lógica na estranheza, porque um francês poderia dizer o mesmo se ouvisse o Hamlet em português (presumindo que entenderia o texto).  O que significa, então, faltar Shakespeare à ópera de Gounod? Não sei, e talvez a frase nada tenha de críptico, mas apenas de desilusão inexplicável de forma simples. A língua em que uma determinada obra é cantada / falada afecta a percepção e apreciação que fazemos dela? O D. Quixote tem de ser sempre falado em castelhano, nunca em alemão? Mas o Guerra e Paz, obra russa, pode ser falado em inglês? E se for em americano? E para um japonês é esteticamente normal ouvi-lo na sua língua natal? 

JdB

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