18 fevereiro 2020

Moleskine

O que é para mim o luxo? Imagino-me vencedor de uma qualquer lotaria 100 milhões de euros. Para efeitos deste pequeno texto interessa-me a utilizações egoísta do dinheiro, não o que eu daria solidariamente aos outros que me estão mais próximos  em sangue ou afecto. Como actividade regular, as viagens: viajar mais e em fantásticas condições de conforto: executiva, quartos com vista sobre a cidade, cruzeiros com pouca gente, exotismo que passa por um gin tónico numa savana africana ao por do sol, jantares em locais onde se requer o smoking (que não tenho mas que adquiriria com um rápido movimento do cartão de crédito). Como actividade diária, um luxo caseiro: um mordomo, lareiras acesas em bibliotecas, pequenos-almoços a olhar as chamas e a lombada dos livros, passeio pelos campos (meus, obviamente) com um cão ao meu lado. O carro? O mesmo, que isso pouco me interessa. Os meus luxos são britânicos, diria eu. 

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Há muito disto na família: gente divertida ou não, com características peculiares, idiossincrasias, hábitos ou opções de vida que nos fazem sorrir. Gente que emigra e nunca mais dá sinal de vida, gente que constrói e destrói mobílias porque embirra com a cor sugerida, gente que faz ou não faz outras coisas. Há pessoas sobre as quais se constroem vidas romanceadas porque eram secretas, escondidas, protegidas do escrutínio da família ou dos amigos, que se desencadeiam sem que ninguém saiba exactamente porquê. Um dia vem-se a saber da paranóia, da obsessão ou da perturbação da personalidade. Palavras que não existiam em determinados vocabulários, em determinadas famílias, há 60, 70 ou 80 anos.

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Há dias falei aqui de dois amigos com preocupações pela saúde dos filhos, ainda que em gradações muito diferentes. Há umas semanas soube de um amigo com uma complicação séria na cabeça, a fazer quimioterapia e com um prognóstico obviamente cauteloso. Também há umas semanas soube que o filho de uma amiga de uma amiga estava no IPO, com 12 anos. Se pensar um pouco lembro-me de outras pessoas com vidas suspensas, interrogadas. Eu sei que este parágrafo é um repositório de lugares comuns, mas todos estes casos deveriam ser lanças na ilharga a alertarem-nos para não deixarmos a nossa vida tornar-se numa sequência de conflitos patetas e perdas de tempo. É importante que não deixemos a nossa vida tornar-se numa valente porcaria: a distância que vai de uma vida feliz a uma vida suspensa pode ser um fio de cabelo. Os casos que referi acima são prova disso: nenhum decorre de vidas dissolutas ou de maus hábitos. São apenas caprichos do destino. De facto, citando alguém, deveríamos viver os dias, não como se fossem os últimos nem os primeiros, mas como se fossem os únicos.

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Eutanásia. A minha opinião é contra e, se tivesse de dizer porquê, citaria os argumentos de grande parte das pessoas que são contra, sobretudo as católicas, como eu. Não vale a pena repetir argumentos já bem conhecidos. Os vários partidos têm posições diferentes: haverá partidos onde todos os deputados votam contra, outros onde todos os deputados votarão a favor; há partidos onde é dada liberdade de voto. Sendo eu votante do CDS, deixaria de votar nesse partido se se pronunciassem a favor do sim - agora ou no seu programa eleitoral. É uma questão de valores fundamentais relativamente à qual não transijo. O que pensarão agora as pessoas que votaram Iniciativa Liberal, sabendo que este partido foi um dos dois (espero não me enganar) que pôs no seu programa a defesa da eutanásia? E o que farão em futuras eleições?    

JdB

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