13 setembro 2022

Da tradição

Não foi nem uma nem duas vezes que falei sobre monarquia inglesa com amigos, fossem eles republicanos ou monárquicos. Mais nos primeiros do que nos segundos havia uma ideia forte: a de que, desaparecida a Rainha Isabel, o trono passaria directamente para William, o filho mais velho do filho mais velho. A razão era simples: o príncipe Carlos não era capaz ou, mais recentemente, o príncipe William tinha um capital de popularidade muito superior.

Não sendo um homem rasgado ou com uma visão sobre o futuro superior à do comum dos mortais, sempre acreditei que isso não aconteceria. Primeiro, que a decisão estava tomada há muito; segundo, que a sucessão seguiria os trâmites normais. Não sendo o príncipe Carlos mentecapto (nalgumas áreas até terá sido um homem à frente do seu tempo) passar por cima dele na linha da sucessão seria abrir uma brecha perigosíssima - talvez mesmo fatal: a de que a monarquia se rege, também, por questões de popularidade. Isto é, que A é rei/rainha, não porque é o/a primeiro/a na linha da sucessão, mas porque o povo (cuja opinião, não tendo sido expressa em urnas, é interpretada pelos politólogos) acha B mais capaz. Acontece que ninguém definiu o que é ser-se capaz. A apreciação é subjectiva. 

O que salva a monarquia inglesa, como me dizia (ou me citava, não sei) ontem um amigo, insuspeito de anglofilia, depois de ter visto o príncipe Carlos a discursar perante a Casa dos Comuns e a Casa dos Lordes: este é que é o Reino Unido a sério, incluindo o cerimonial. A conclusão de tudo é que "a tradição em Inglaterra, é maior do que a gigante Isabel II. E esta predominância é extraordinária. O Reino Unido será eterno enquanto esta tradição for assim, com esta força e imposição." E a tradição é, salvo circunstâncias muito evidentes, respeitar a linha da sucessão. Por isso William nunca poderia ser Rei agora.

A propósito de cerimonial não resisto a citar-me a mim próprio, tirado de um texto que escrevi em Abril de 2022.      

A monarquia inglesa, plena de tradições e costumes, é, também ela, um esplendor de ritos. Num dos episódios da série Crown, de que já aqui falei, o Duque de Windsor, que chegou a ser Eduardo VIII, assiste, com amigos, à transmissão pela televisão da coroação da sua sobrinha como Isabel II. À medida que a cerimónia se desenrola o Duque explica o que se passa, e o que está por trás de cada gesto. Nota-se nele conhecimento histórico, informação detalhada - talvez alguma nostalgia por não ser ele o protagonista. A um dado momento um pálio cobre o trono onde a rainha será ungida com o óleo santo, e ela desaparece do campo de visão das câmaras. Alguém pergunta por que razão a unção com o óleo não é visualmente acessível a todos. O Duque de Windsor responde: porque somos apenas humanos

Quando a tradição acabar muito se acaba com ela. 

JdB

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