Não foi nem uma nem duas vezes que falei sobre monarquia inglesa com amigos, fossem eles republicanos ou monárquicos. Mais nos primeiros do que nos segundos havia uma ideia forte: a de que, desaparecida a Rainha Isabel, o trono passaria directamente para William, o filho mais velho do filho mais velho. A razão era simples: o príncipe Carlos não era capaz ou, mais recentemente, o príncipe William tinha um capital de popularidade muito superior.
Não sendo um homem rasgado ou com uma visão sobre o futuro superior à do comum dos mortais, sempre acreditei que isso não aconteceria. Primeiro, que a decisão estava tomada há muito; segundo, que a sucessão seguiria os trâmites normais. Não sendo o príncipe Carlos mentecapto (nalgumas áreas até terá sido um homem à frente do seu tempo) passar por cima dele na linha da sucessão seria abrir uma brecha perigosíssima - talvez mesmo fatal: a de que a monarquia se rege, também, por questões de popularidade. Isto é, que A é rei/rainha, não porque é o/a primeiro/a na linha da sucessão, mas porque o povo (cuja opinião, não tendo sido expressa em urnas, é interpretada pelos politólogos) acha B mais capaz. Acontece que ninguém definiu o que é ser-se capaz. A apreciação é subjectiva.
O que salva a monarquia inglesa, como me dizia (ou me citava, não sei) ontem um amigo, insuspeito de anglofilia, depois de ter visto o príncipe Carlos a discursar perante a Casa dos Comuns e a Casa dos Lordes: este é que é o Reino Unido a sério, incluindo o cerimonial. A conclusão de tudo é que "a tradição em Inglaterra, é maior do que a gigante Isabel II. E esta predominância é extraordinária. O Reino Unido será eterno enquanto esta tradição for assim, com esta força e imposição." E a tradição é, salvo circunstâncias muito evidentes, respeitar a linha da sucessão. Por isso William nunca poderia ser Rei agora.
A propósito de cerimonial não resisto a citar-me a mim próprio, tirado de um texto que escrevi em Abril de 2022.
A monarquia inglesa, plena de tradições e costumes, é, também ela, um esplendor de ritos. Num dos episódios da série Crown, de que já aqui falei, o Duque de Windsor, que chegou a ser Eduardo VIII, assiste, com amigos, à transmissão pela televisão da coroação da sua sobrinha como Isabel II. À medida que a cerimónia se desenrola o Duque explica o que se passa, e o que está por trás de cada gesto. Nota-se nele conhecimento histórico, informação detalhada - talvez alguma nostalgia por não ser ele o protagonista. A um dado momento um pálio cobre o trono onde a rainha será ungida com o óleo santo, e ela desaparece do campo de visão das câmaras. Alguém pergunta por que razão a unção com o óleo não é visualmente acessível a todos. O Duque de Windsor responde: porque somos apenas humanos.
Quando a tradição acabar muito se acaba com ela.
JdB
1 comentário:
Concordo com a recordação.
Abraço
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