31 agosto 2023

Músicas dos dias que correm

Uma singela homenagem ao JdC, que gostava muito desta música (parece-me) e que a cantou (também parece-me) numa célebre noite de karaoke em Harare, para gáudio dos comensais.

JdB   

30 agosto 2023

Vai um gin do Peter’s ?

 DO CAOS AO COSMOS – O RECADO DE FRANCISCO NAS JMJ 

Pessoa lembrava que as viagens memoráveis começam bem antes, durante os preparativos e estendem-se depois a perder de vista através da memória dos mil momentos fantásticos que entraram para a nossa história e dão ânimo a cada novo dia. Isso bem se aplica às JMJ, em que uma das expressões lapidares do Papa inspirou um balanço interpelativo sobre aqueles dias extraordinários:

«FRANCISCO FALOU-TE EM PORTUGAL DO CAOS DA TUA VIDA

ESPECIAL JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE 

“Todos, todos, todos! Na Igreja, há lugar para todos” (1). Foram as palavras que o Papa Francisco quis que todos repetíssemos e que ficarão como um slogan da JMJ. São um desafio à compreensão de todos, a imitarmos esse olhar de Jesus que não discriminou ninguém, amou todos os pecadores. E detestou o pecado, o mal que podia haver em cada um. A este propósito, a imagem da Igreja como um “hospital de campanha” de que o Papa tanto falou, é muito adequada. O que vai uma pessoa fazer a um hospital? Certamente entra com a esperança de sair melhor, curado, conhecedor do seu diagnóstico, um ponto de partida para uma terapia que lhe devolva a saúde, a vida, a normalidade.

Se a porta da Igreja deve estar aberta a todos, como essas portas da Capelinha em Fátima, ou as portas de um hospital, parece-me que o Papa espera que essa entrada seja transformadora. A palavra que o Papa mais utilizou nos seus discursos em Portugal não foi “todos”. Foi “Jesus”. Disse-o 102 vezes.(2) E, como diz Francisco, quando Jesus entra na nossa vida, “chama-nos para nos fazer caminhar, chama-nos para nos refazer”.(3) Ou seja, só é possível estar na Igreja com estas disposições: caminhar, refazer-se, deixar-se transformar por Ele. (…)

Engana-se quem pensa que a mensagem do Papa veio confortar os descomprometidos, condescender a um cristianismo de mínimos olímpicos. O Papa não veio dizer que está tudo bem e pedir que sejamos bonzinhos. Pediu radicalidade na maneira de viver o Evangelho.

A este propósito, uma das metáforas mais felizes e teologicamente mais profundas foi a que utilizou em Cascais, na sua visita à Fundação Scholas Occurrentes. Na sede da instituição, uma jovem portuguesa ofereceu ao Papa um pincel, que Francisco utilizou para dar a última pincelada num mural de três quilómetros pintado por mais de três mil pessoas. Francisco respondeu antes, de improviso, a um jovem brasileiro evangélico de 24 anos que o abordou sobre o tema do caos na criação do mural e na vida de cada um. Francisco responde: “Houve alguém que disse que a vida do homem, a nossa vida humana, é fazer um cosmos a partir do caos, ou seja, a partir do que não faz sentido, do que é desordenado, caótico, fazer um cosmos que faça sentido, que seja aberto, convidativo, composto”. Para Francisco, o caos das linhas aleatórias desse mural pode-se converter numa obra tão bela como a Capela Sistina. Essa é a transformação pedida. Mas não é automática. É iniciativa de Deus, “que nos chamou a todos desde o início das nossas vidas; chamou-nos pelos nossos nomes”.(4) Desse Deus “que amou tanto o mundo que deu o seu único Filho, para que todo aquele que Nele crê não se perca, mas tenha a vida eterna (Jo 3, 16)”.

Esta comparação é muito poderosa e ajudou-me a tirar uma série de ideias para a minha vida de cristão e de padre. O Papa não a proferiu diante de um público erudito, mas diante de pessoas desfavorecidas. 

O que é que quer dizer para mim passar do caos ao cosmos?

1. RECONHECER A SOBERANIA DE DEUS NA MINHA VIDA. A origem do mundo está n’Outra pessoa. O mundo já funcionava quando nascemos. Não somos nós que ditamos as leis da física ou da química. A realidade não nos obedece. Há um primeiro movimento que é preciso respeitar: as coisas são como são, não como deveriam ser. “Deus ama-nos como somos. Não como gostaríamos de ser, mas como somos agora”.(5)

2. DAR UM NOME AOS TEUS PROBLEMAS. Francisco sabe que há caos na minha vida e na tua. Mas isso não é um problema. Existe um Pai, que é o Criador, e perante o qual cabem duas atitudes: abrir-se ou encerrar-se na amargura, no desânimo. Esse não é só o dilema dos que ouviram Francisco em Lisboa. É o desafio do povo de Israel ao longo dos séculos. “A terra era um caos e um vazio, as trevas cobriam a face do abismo e o espírito de Deus pairava sobre as águas” (Gen 1,2a.) Esta situação incoerente, sombria, deformada, desolada é também apresentada nos textos proféticos.

3. O CAOS NÃO É A SITUAÇÃO DEFINITIVA. O estado de caos (vazio, turbilhão) passa a kosmos (ordem, em grego, de onde provém a palavra cosmética, algo ordenado, belo). O mundo começa na desordem e Deus, pela sua palavra, leva-o à ordem e à beleza. O logos (a palavra) é o ponto de apoio da alavanca desta cosmética do caos. (…)  

Porque não fez (Deus o mundo) diretamente belo e em menos tempo? Isto não faz sentido. (…) O mundo, o belo, seria o lógico, o compreensível. O caótico, o ilógico, seria o mal feito, o erróneo. E o Papa em Cascais veio-nos confundir estas categorias, desarrumar as nossas ideias, desinstalar-nos das nossas certezas. Olhamos para a nossa vida e vemos que o caos e o cosmos convivem no nosso quotidiano. Um casamento é tantas vezes um acontecimento caótico. Seguir a vocação sacerdotal é um percurso caótico. Crescer é um acontecimento imprevisível; para muitos, nesta altura, ir de férias tem uma dinâmica ilógica; ter uma pessoa idosa em casa torna a vida confusa; ter um filho é pura desordem. Um dia nunca se desenrola como pensámos. As coisas nunca são como “deveriam ser”. O mundo é caótico. Mas nada disso é original. A própria vida de Cristo foi o caos. Cristo nasce numa situação caótica, nem sequer há lugar para Ele na estalagem; é ameaçado por um rei e tem de passar os primeiros anos da sua infância no exílio, no Egipto.

4. O CAOS FAZ PARTE DA TUA VIDA. Das aulas de Física do Instituto Superior Técnico, do primeiro ano de faculdade, não recordo muitas coisas. Ficou-me esta ideia: a entropia é a função que define o estado de desordem de um sistema. Em física, o caos, curiosamente, não é um estado sem ordem, mas com uma ordem tão elevada que não pode ser abordada com os nossos conhecimentos matemáticos. Assim, o primeiro passo para recomeçar é aceitar o caos, as nossas imperfeições, o pecado que existe em nós, essa distância grande, enorme, infinita que há entre cada um e Cristo, a quem somos chamados a imitar. “A vida é assim: cair e recomeçar, aborrecer-se e recobrar a alegria. Aceitar esta mão que nos dá Jesus”.(6) O Papa quer que aceitemos a nossa primeira vocação: viver. Não é coisa pouca. Todos somos importantes aos olhos de Deus. Por isso foi tão significativa a ida do Papa ao Bairro da Serafina. Porque, ali entre os mais necessitados, também aconteceu a JMJ. É preciso olhar para tantas pessoas que se satisfazem com pouco, que aprenderam a ser felizes com as suas limitações, que vivem intensamente essa vocação que se chama vida.

5. O PRINCIPAL INIMIGO: IMPEDIR QUE FAÇAMOS O BEM. “Deus, a partir do caos, um dia faz a luz, outro dia faz o Homem e vai criando coisas e transformando o caos em cosmos”.(7) É o primeiro dia da criação, o dia em que Deus cria a luz. (…) Não é importante para as trevas levar-nos a fazer o mal. Não é esse o objetivo. O importante para o pai da mentira é que nos afastemos do nosso dia, dos nossos trabalhos. O importante para ele é fazer-nos perder tempo.

6. HÁ COISAS QUE NÃO PRECISAM DE DISCERNIMENTO. Fabio Rosini(8) dá o exemplo de entrar numa sala escura. Quando alguém encontra o interruptor liga-o: a princípio, a luz incomoda-nos. As primeiras coisas que se vêem são as coisas grandes. Não veremos todos os pormenores. (…) O mesmo acontece na vida espiritual: não podemos partir dos pormenores, dos detalhes. Francisco diz-nos que, para permitir que Deus nos reconstrua, é preciso partir das coisas macroscópicas, daquelas que se vêem logo que se acende a luz. Aquilo que é evidentemente, a vontade de Deus. Se caímos, a primeira coisa a procurar para nos deixarmos reerguer pela generosidade do Pai, ou para voltarmos a funcionar bem, deve ser algo que esteja ao nosso alcance, imediatamente disponível. Há coisas que não precisam de discernimento. São evidentes. Acendemos a luz e vemo-las.

7. FAZ UMA LISTA COM AS EVIDÊNCIAS DA TUA VIDA. “É bom tudo o que estamos a experimentar com Jesus, aquilo que vivemos juntos, e é bom como rezámos, com tanta alegria de coração. Mas perguntámo-nos: Que levamos connosco ao regressar à vida quotidiana?”.(9) O Papa fez-nos refletir sobre as verdades fundamentais da existência. Mas também sobre aquelas do quotidiano. A que horas me deito? A que horas me levanto? A que horas rezo? (…)

Quando tinha 18 anos, (…) um bom sacerdote ajudou-me a pôr os pés na terra. A entender que perdia o tempo. Descobri essa evidência: Deus está à minha espera na minha vida real, no meu estudo, nos meus amigos e família, mas era eu que não estava lá. Ressoavam com força aquelas palavras de S. Josemaria: “ou sabemos encontrar Nosso Senhor na nossa vida corrente ou nunca O encontraremos”.(10)

Francisco louvou os portugueses pela “atenção ao «aqui e agora», (…) o cuidado dos pormenores e sentido prático, belas virtudes típicas do povo português”.  As grandes evidências da minha vida e da tua são as coisas concretas. (…)

Mais vale o simples do que o complicado, sempre. Começa por visitar o teu familiar que está no hospital. Limpa o espelho. Então, olharás para ti próprio, como és. Na vida espiritual, não se pode avançar através do extraordinário, é preciso começar pelo simples. Gostaríamos de nos tornar S. Francisco Xavier a partir do zero, em doze lições, com um livro de autoajuda ou com tutorials do YouTube. Mas isso não é possível, não existe. Quando se sobe uma montanha é preciso começar devagar, não se pode começar com pressa, porque depois fica-se exausto e não se chega ao cume.

Para passar do caos ao cosmos, o trabalho de casa que o Papa nos pede é listar essas primeiras evidências; quatro ou cinco. Tenta reconhecê-las. E recomeçar. (…)

Quando reconheces que Deus faz parte da tua vida, que o caos não é a situação definitiva e que tens uma resistência interior que te leva a perder tempo e não dedicar as melhores energias a Deus e aos outros, então podes levantar-te apressadamente como Maria. Então a luz transformará esse caos em cosmos. Nesse momento a tua vida é um lugar de beleza com as portas abertas a todos para que todos encontrem em ti a imagem de Cristo que procuram. 

Notas:
1. Discurso do Papa Francisco na cerimónia de acolhimento no Parque Eduardo VII.
2. Notícia da Rádio Renascença: https://especiais.rr.pt/discursos-do-papa-jmj-portugal/
3. Discurso do Papa Francisco nas Vésperas no Mosteiro dos Jerónimos
4. Discurso do Papa Francisco na cerimónia de acolhimento no Parque Eduardo VII
5. Discurso do Papa Francisco na cerimónia de acolhimento no Parque Eduardo VII.
6. Discurso do Papa Francisco nas Vésperas no Mosteiro dos Jerónimos
7. Discurso do Papa Francisco no encontro com os jovens da Scholas Occurrentes.
8. Fabio Rosini, “L’arte di ricominciare. I sei giorni della creazione e l’inizio del discernimento”, San Paolo Edizioni
9. Homilia do Papa Francisco da Missa de Envio (Campo da Graça)
10. S.Josemaria, Homilia “Amar o Mundo Apaixonadamente”, em “Entrevistas a S.Josemaria”, Aletheia Editores.

P. Jorge Oliveira – publicado no portal  
a 20 de Agosto de 2023 

Depois do poente, na Vigília das JMJ, no Sábado 5 de Agosto, Carminho marcou presença com a sua composição: «ESTRELA». O sol do entardecer acabara de maravilhar a multidão reunida no Parque Tejo, tingindo a linha do horizonte de mil tons, entre o laranja e o violeta, até desaparecer. Quando o recorte do palco, em forma de onda, se destacava sob o fundo escuro do céu, a voz da cantora encheu de beleza aquela noite de sonho, sob o olhar atento do Papa e de mais de um milhão e meio de gente nova, que a ouviu num silêncio invulgar: 


«Tu és a estrela que guia o meu coração
Tu és a estrela que iluminou o meu chão
És o sinal de que eu conduzo o destino
Tu és a estrela, e eu sou o peregrino

Até aqui, foi uma escuridão tal
Dessas que nos faz ser sábios do mundo
Vivi desilusão tão desigual
Que eu vim dar a minha infância num segundo

Nem sabes tu aquilo que fizeste
Por mim, até por ti, quando chegaste
Só sei que ao te ver tu reergueste
O que em mim era só cinza e desgaste

Tu és a estrela que guia o meu coração
Tu és a estrela que iluminou o meu chão
És o sinal de que eu conduzo o destino
Tu és a estrela, e eu sou o peregrino

Bem mais feliz agora, certamente
Vou eu seguindo assim pela vida afora
Não mais estarei sozinha, estou bem crente
Que o teu feixe de luz própria me segue agora

Tu és a estrela que guia o meu coração
Tu és a estrela que iluminou o meu chão
És o sinal de que eu conduzo o destino
Tu és a estrela, e eu sou o peregrino
Tu és a estrela, e eu sou o peregrino»


Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

29 agosto 2023

Em memória de JdC (1958 - 2023)

Para a R., para os filhos e para os irmãos.

Eram 5 da manhã de ontem quando li a mensagem de que já estava à espera: morrera o JdC. Uma mensagem curta, simpática, atenta de um filho informava o fim de uma vida que durara 65 anos e quase 3 meses. 

Falar do JdC seria tarefa impossível para um post neste estabelecimento. Não só porque há muito a dizer mas, sobretudo, porque há muito que não pode dizer-se, não porque seja confidencial, mas porque se refere a emoções, memórias, sons e cheiros cuja descrição se perderia na pequenez de um vocabulário humanamente limitado. Uma vez, a propósito de algo totalmente diferente, foi-me dito por uma psicóloga: por vezes uma explicação é um fosso. Aqui seria o mesmo; explicar o que me ligava ao JdC, o que foram 52 anos de amizade - que se cumpririam este Setembro - seria uma tarefa ingrata. Por isso este post é, sobretudo, para mim e para todos aqueles que, lendo-me, conseguirão dizer: sei bem do que ele fala; eu estava lá. 

Quando há uns anos escrevi um texto sobre o desaparecimento da Mãe do JdC, disse o óbvio, suportado num cliché: com o desaparecimento de algumas pessoas há um parte de nós que desaparece. Há uma certa inverdade na frase. De facto, com o desaparecimento do JdC nada em mim desaparece, porque algumas coisas na vida não se esquecem nem se repetem, ficam de pedra e cal no nosso íntimo. Não se repete nem se esquece o cheiro dos candeeiros a petróleo que projectavam danças nas paredes, não se repetem os fins de manhã no adro, os corredores compridos, os passeios na mata, a compota de amora ou a vista que era sempre sobre Bencatel. Não se repetem nem se esquecem aqueles setembros. Os cheiros e os sons são só meus, porque só eu sei como os sentia ou ouvia. E nesses Setembros, que existem enquanto eu existir, estava o JdC. Na felicidade máxima da minha adolescência de verão estava o JdC.

O que gostaria eu de dizer sobre ele? Não sou pessoa para apenas enaltecer as qualidades que tinha, nem suscitar críticas excessivas sobre os defeitos. O JdC era um homem com luz e sombra, com sonhos e desalentos. Porém, mais do que referir o que ele era para todos, quero referir o que ele era para mim: um homem que me ouviu muito, que me apoiou muito (concordando e discordando) e que me consolou muito em tempos difíceis; um homem com quem partilhei tudo o que seria partilhável (de amores perdidos a acontecimentos dos quais quase ninguém sabe), com quem fumei às escondidas, com quem viajei de Harare até à Beira a cantar Bob Dylan ou Neil Young aos gritos, com quem joguei muito às cartas, com quem militei politicamente, e com quem roubei bolos da penumbra de uma despensa. Não fizemos coisas mirabolantes - nada do que disse acima é digno de relevo ou de espanto - mas a minha vida está cheia de trivialidades que se agarram à memória de forma persistente, porque é a elas que volto quando (me) quero falar de parte feliz da minha vida. Estas memórias - dele e com ele - são as migalhas que, na floresta, me ensinam o regresso a casa.

Com o desaparecimento do JdC, estatisticamente antes do seu tempo, desaparece um amigo forte e antigo; desaparece um interlocutor, um contemporâneo activo de parte substantiva da minha vida. O leque das pessoas com quem posso falar sobre a memória desses tempos vai-se reduzindo, pese embora os irmãos e outras pessoas (o fq, por exemplo, um dos sobreviventes de tantas noites de 6ªfeira) saberem do que falo e terem a sua sensação de cheiros e sons que eram de todos. O desaparecimento do JdC é também um ensinamento que devia ser manual de boas práticas: cuidar de quem nos está mais próximo, ajuizar bem as guerras que queremos travar e, citando a Bíblia, vigiar, porque não sabemos o dia nem a hora.

O JdC fez comigo o que sei que fez com outras pessoas: na sua última semana telefonou-me por video-chamada e trocámos meia dúzia de frases. Foi a última vez que o vi, foi a última vez que o ouvi. Comigo ficará a frase que me disse, como ficará tudo o resto que foi a minha vida perto dele, afastada dele, mas, acima de tudo, certa dele. E esta certeza morrerá comigo.

JdB    

28 agosto 2023

Duas Últimas

María Dolores Fernandez Pradera (29 de agosto de 1924 – 28 de maio de 2018) foi uma cantora e atriz espanhola. Maria Fernanda Pereira de Sousa (Lisboa, 11 de Novembro de 1959), de seu nome artístico Ágata, é uma cantora portuguesa. Nada parece indicar que se tenham visto ou conhecido, embora uma possa ter ouvido a outra. Assim sendo, aparentemente - e não fosse o facto de serem ambas latinas, ambas mulheres, e ambas cantoras - nada as juntaria. Não é bem assim.

Nos momentos finais de um amor infeliz, Dolores Pradera diz ao amante, com quem quer romper a relação, aquilo que ele deve devolver-lhe: o amor (intangível) e um rosário da mãe (tangíavel)

Devuélveme mi amor para matarlo,
devuélveme el cariño que te di,
tú no eres quien merece conservarlo,
tú ya no vales nada para mí. 

Devuélveme el rosario de mi madre
y quédate con todo lo demás,
lo tuyo te lo envío cualquier tarde,
no quiero que me veas nunca más.

Nos momentos finais de um amor infeliz, Maria Fernanda, mais conhecida por Ágata, diz ao amante, com quem quer romper a relação, aquilo que ele não pode levar: um filho. 

Mas não me leves a coisa mais querida
Que nos pertence em partes iguais
Nosso filho a quem eu dei a vida
E é de mim que ele precisa mais

Podes ficar com as jóias, o carro e a casa
Mas não fiques com ele
E até as contas no banco e a casa de campo
Mas não fiques com ele

Podes ficar com o resto e dizer que eu não presto
Mas não fiques com ele
Tira-me tudo na vida e o mais que consigas
Mas não fiques com ele

Tanto Dolores Pradera como Ágata sabem o que querem e podem largar, sendo que nisso são quase gémeas. As dúvidas dissipam-se no que cantam:

(...) y quédate con todo lo demás versus (...) podes ficar com o resto, 

sinal de que no momento final de um amor infeliz, as mulheres largam tudo. Aquilo com que querem ficar é que varia.

JdB


27 agosto 2023

XXI Domingo do Tempo Comum

 Evangelho: Mt 16,13-20

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
Jesus foi para os lados de Cesareia de Filipe
e perguntou aos seus discípulos:
«Quem dizem os homens que é o Filho do homem?»
Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista,
outros que é Elias,
outros que é Jeremias ou algum dos profetas».
Jesus perguntou: «E vós, quem dizeis que Eu sou?»
Então, Simão Pedro tomou a palavra e disse:
«Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo».
Jesus respondeu-lhe:
«Feliz de ti, Simão, filho de Jonas,
porque não foram a carne e o sangue que to revelaram,
mas sim meu Pai que está nos Céus.
Também Eu te digo: Tu és Pedro;
sobre esta pedra edificarei a minha Igreja
e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
Dar-te-ei as chaves do reino dos Céus:
tudo o que ligares na terra será ligado nos Céus,
e tudo o que desligares na terra será desligado nos Céus».
Então, Jesus ordenou aos discípulos
que não dissessem a ninguém
que Ele era o Messias.

24 agosto 2023

Poemas dos dias que correm

Medo

Quem dorme à noite comigo?
É meu segredo, é meu segredo!
Mas se insistirem lhes digo.
O medo mora comigo,
Mas só o medo, mas só o medo!

E cedo, porque me embala
Num vaivém de solidão,
É com silêncio que fala,
Com voz de móvel que estala
E nos perturba a razão.

Que farei quando, deitado,
Fitando o espaço vazio,
Grita no espaço fitado
Que está dormindo a meu lado,
Lázaro e frio?

Gritar? Quem pode salvar-me
Do que está dentro de mim?
Gostava até de matar-me.
Mas eu sei que ele há-de esperar-me
Ao pé da ponte do fim.

Reinaldo Ferreira

23 agosto 2023

Pensamentos dos dias que correm

As Mulheres Sempre Foram Mais Minuciosas na Vingança

27

As mulheres sempre foram mais
minuciosas na vingança — disse Bloom. Folheiam-na
sem saltar uma página. E tratam das unhas
antes de pegar no machado.
Pelo contrário, um homem com raiva
e ressentimento é atabalhoado, desastrado,
incapaz de encontrar a pronúncia perfeita da violência,

28

como se pegasse em ferramentas
despropositadas: a charrua
para arrancar uma flor,
o martelo para ver mais perto.

Gonçalo M. Tavares, in "Uma Viagem à Índia"

***

Querer Vingar-se e Vingar-se

Ter um pensamento de vingança e realizá-lo significa apanhar um forte acesso de febre, mas que passa; ter, porém, um pensamento de vingança, sem força nem coragem para o realizar, significa trazer consigo um padecimento crónico, um envenenamento do corpo e da alma. A moral, que só olha para as intenções, avalia de igual maneira ambos os casos; em geral, considera-se o primeiro caso como pior (por causa das más consequências que o acto de vingança talvez traga consigo). Ambas as avaliações são de vistas curtas.

Friedrich Nietzsche, in 'Humano, Demasiado Humano'

22 agosto 2023

Moleskine *

 The opposite of love is not hate, it's indifference. The opposite of art is not ugliness, it's indifference. The opposite of faith is not heresy, it's indifference. And the opposite of life is not death, it's indifference. 

(Elie Wiesel)

***

Jacob Berkovits nasceria em 1929 em Nagyvarad, já depois do tratado de Trianon atribuir a pertença da localidade à Roménia. Os marcos principais da sua vida pareceram aconchegar-se no abraço cronológico do seu amigo Elie Wiesel, compatriota e parceiro de sobrevivência do holocausto. Em 2008, poucos meses antes de morrer, Jacob escreveria à sua mulher Hanna: o destino foi-me favorável. Vim ao mundo depois de Elie, pois não seria merecedor da alegria de o ver nascer; parto antes dele, pois não teria a coragem de o ver morrer.  

No primeiro aniversário da sua morte, em boa hora a Universidade de Telavive decidiu editar as cartas do professor de Física Quântica, publicadas posteriormente em francês. Correndo o risco da imprecisão que sempre advém de uma tradução livre - e forçosamente inexacta - de sentimentos alheios, transcrevo partes de uma delas:

Meu querido Elie,

Já vi o suficiente, já falei o suficiente, precisava de mais uma vida para ouvir o suficiente. 

(...)

Um dia, nas margens do Mar Morto tentei comparar, por puro exercício académico, a nossa alma a um corpo mergulhado naquela imensidão líquida onde, como sabes, tudo morre e nada flutua. Não consegui. Por mais que quisesse pensar que a nossa bondade está sempre à tona de água, que nunca desaparece nas profundezas do mar, sugada por uma escuridão onde o Amor e a Compaixão são inexistentes, não consegui. O Mar Morto não representa o mundo em que vivemos, porque para todos nós há uma linha de água de onde subimos e descemos em função do que somos, do que queremos fazer da vida, e do ânimo com que perseguimos os nossos sonhos. A vida é uma faca, Elie, que nos serve, se a agarramos pelo cabo, ou que nos corta, se lhe pegamos pela lâmina.

(...)

Estou perigosamente agarrado ao pormenor. Mencionam-me os alunos mais novos uma frase dupla muito em voga: o amor - ou o diabo - estão no detalhe. Não me parece, Elie, que a conjunção seja "ou", porque quero crer que ambos residem lá em permanência, seguramente numa convivência pouco pacífica, e prontos a irromper ao menor sinal. Sei do que falo: um pormenor ínfimo de um trecho musical comove-me; um olhar indecifrável de um personagem secundário intriga-me; um veio de madeira desigual numa moldura bonita prende-me a atenção; um copo desalinhado numa perfeição de mesa desfoca-me do que é importante. O detalhe é-me mais afectivo do que cerebral; por vezes é apenas o direito inalienável à minha individualidade, uma forma de expressar que sou único, porque aquele pormenor, disponível para todos, só eu vi, só eu apreciei, só eu lhe encontrei um encanto, tantas e tantas vezes ridículo.

(...)        

Em Outubro fui fazer uma palestra à Faculdade de Medicina. Eram alunos do primeiro ano, alguns com um evidente desejo de mudar o mundo, inundados de energia e de convicção. Para eles, a profissão de médico é o casamento perfeito entre o sucesso e o desejo de ajudar quem sofre. No período final, quando aos estudantes é dada a oportunidade de inquirirem o palestrante, uma rapariga levantou-se. Era alta, magra e bonita, com uns cabelos escuros a emoldurar uns olhos verdes, um porte simultaneamente altivo e acolhedor, de quem sabe que o maior calor e o maior frio convivem dentro de nós à espera de se revelar. Perguntou-me:

- Diga-me, professor Berkovits. Se tivesse de manter apenas um dos sentidos, qual é que escolheria?

Sabes, Elie... Durante alguns segundos não soube o que responder a este desafio tão difícil. Mesmo que a pergunta fosse académica, uma vez que a possibilidade de isso acontecer é quase nula, como devia responder-lhe? Falar, ver, ouvir, tocar, cheirar? Do que conseguiríamos prescindir, nós que já passámos pelo horror dos horrores, que sentimos a bestialidade humana a conviver com a generosidade comovente, que aguçámos os nossos sentidos para sobreviver, para amar - mas também para odiar - para olhar por cima do arame farpado e da indignidade na procura da esperança? 

- A sua pergunta é difícil, menina. Com a minha idade todos os sentidos vão perdendo o seu fulgor...  Mas não posso fugir à sua interrogação. Talvez optasse pelo sentido da audição. 

 - E porquê, professor Berkovits?

- Para a ouvir a si talvez, com tudo o que teria para me ensinar, para ouvir os outros, para ouvir todos aqueles que fizeram e farão de mim o que eu sou. Para me comover com uma frase escutada a que mais ninguém prestou atenção, para me descansar com a voz certa dos amigos fiéis, para me encher de nostalgia com o som triste do violoncelo, para ouvir a minha própria voz interior a pedir-me mais uma vida para ouvir o suficiente...

(...)  

JdB  

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* publicado originalmente a 17 de Janeiro de 2013

21 agosto 2023

Para um momento de nostalgia

 Ouvi muito esta música no tempo do "Idade da Inocência", de boa memória, um fantástico programa de rádio com locução, parece-me, de Margarida Pinto Correia, e que deu origem a alguns CD's. Fui à procura de uma história por detrás da música, sendo que a busca foi infrutífera - não há nada relevante a declarar. Repesco, no entanto, duas informações que recuperei da Wikipédia. Lançado em 1968...

"Honey" was immediately and immensely popular. It sold a million copies in its first three weeks.

 In a 2011 poll, Rolling Stone readers ranked "Honey" the second-worst song of the 1960s.

JdB   

20 agosto 2023

XX Domingo do Tempo Comum

 EVANGELHO - Mt 15,21-28

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
Jesus retirou-Se para os lados de Tiro e Sidónia.
Então, uma mulher cananeia, vinda daqueles arredores,
começou a gritar:
«Senhor, Filho de David, tem compaixão de mim.
Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio».
Mas Jesus não lhe respondeu uma palavra.
Os discípulos aproximaram-se e pediram-Lhe:
«Atende-a, porque ela vem a gritar atrás de nós».
Jesus respondeu:
«Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel».
Mas a mulher veio prostrar-se diante d'Ele, dizendo:
«Socorre-me, Senhor».
Ele respondeu:
«Não é justo que se tome o pão dos filhos
para o lançar aos cachorrinhos».
Mas ela replicou:
«É verdade, Senhor;
mas também os cachorrinhos
comem das migalhas que caem da mesa de seus donos».
Então Jesus respondeu-lhe:
«Mulher, e grande a tua fé.
Faça-se como desejas».
E, a partir daquele momento, a sua filha ficou curada.

18 agosto 2023

Poemas dos dias que correm

Punta Cana (Novembro de 2022)

Depoimento

De seguro,
Posso apenas dizer que havia um muro
E que foi contra ele que arremeti
A vida inteira.
Não. Nunca o contornei.
Nunca tentei
Ultrapassá-lo de qualquer maneira.

A honra era lutar
Sem esperança de vencer,
E lutei ferozmente noite e dia,
Apesar de saber
Que quanto mais lutava mais perdia
E mais funda sentia
A dor de me perder.»

Miguel Torga, in Diário, XIII volume, Coimbra, 1983, pág.163.

16 agosto 2023

Vai um gin do Peter’s

 Já a banhos, longe de Lisboa, continuo a sentir os ecos extraordinários destas JMJ nas conversas no toldo ou nos cafés de praia, com testemunhos tocantes de uns e de outros, à cabeça dos miúdos mais ‘improváveis’. Já nem se fala do repertório cantado ao som de guitarras pelos coros de gente nova que animam as Missas nas capelas e igrejas das estâncias balneares da nossa costa atlântica. O hino das JMJ irrompe em apoteoso no final. Acto contínuo, os mais novos começam a marcar o ritmo com os braços e umas palmas certeiras, numa desinibição incomum para o estilo contido português, que se deixou embalar pela animação exuberante dos milhares de espanhóis e de franceses, que encheram as ruas da capital lusa.


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A beleza de Lisboa também proporcionou um cenário privilegiado a momentos importantes das JMJ, em concreto no Parque Tejo, onde as cores do poente e do nascer do sol ofereceram enquadramentos mágicos àquela multidão imensa e mansa que se reuniu na orla leste da capital. 

Na audiência papal, pós JMJ, já no Vaticano, Francisco fez o seguinte balanço das Jornadas: 

«VIAGEM APOSTÓLICA A PORTUGAL POR OCASIÃO DA JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE

Estimados irmãos e irmãs, bom dia!

Nos últimos dias fui a Portugal para a 37ª Jornada Mundial da Juventude.

Esta JMJ de Lisboa, que veio depois da pandemia, foi sentida por todos como dom de Deus, que voltou a colocar em movimento os corações e os passos dos jovens, muitos jovens de todas as partes do mundo – muitos! – para se encontrarem e encontrar Jesus.

A pandemia, como bem sabemos, incidiu gravemente nos comportamentos sociais: muitas vezes o isolamento degenerou em fechamento, e os jovens foram particularmente atingidos. Com esta Jornada Mundial da Juventude, Deus deu um “empurrão” na direção oposta: marcou um novo início da grande peregrinação dos jovens pelos continentes, em nome de Jesus Cristo. E não foi por acaso que se realizou em Lisboa, uma cidade virada para o oceano, cidade-símbolo das grandes explorações marítimas.

Assim, na Jornada mundial da juventude o Evangelho propôs aos jovens o modelo da Virgem Maria. No momento mais crítico para ela, [Maria] vai visitar a sua prima Isabel. Diz o Evangelho: «levantou-se e partiu apressadamente» (Lc 1, 39) gosto muito de invocar Nossa Senhora sob este aspeto: Nossa Senhora “apressada”, que sempre faz as coisas apressadamente, nunca nos faz esperar, pois Ela é a mãe de todos. Assim hoje, no terceiro milénio, Maria guia a peregrinação dos jovens no seguimento de Jesus. Como fez há um século em Portugal, em Fátima, quando se dirigiu a três crianças, confiando-lhes uma mensagem de fé e de esperança para a Igreja e para o mundo. Por isso, na JMJ, voltei a Fátima, ao lugar da aparição, e juntamente com alguns jovens doentes rezei para que Deus cure o mundo das doenças da alma: soberba, mentira, inimizade, violência – são doenças da alma e o mundo está doente destas enfermidades. E renovámos a nossa consagração, da Europa, do mundo ao Coração de Maria, ao Imaculado Coração de Maria. Rezei pela paz, pois há muitas guerras em todas as partes do mundo, demasiadas.

Os jovens de todo o mundo foram a Lisboa muito numerosos e com grande entusiasmo. Encontrei-me com eles inclusive em pequenos grupos, e alguns com muitos problemas; o grupo dos jovens ucranianos traziam histórias que eram dolorosas. Não eram férias, nem uma viagem turística e muito menos um evento espiritual por si só; a Jornada da juventude é um encontro com Cristo vivo através da Igreja. Os jovens vão encontrar Cristo. É verdade, onde há jovens há alegria e um pouco de todas as coisas.

A minha visita a Portugal, por ocasião da JMJ, beneficiou do clima festivo dela, onda de jovens. Dou graças a Deus por isso, pensando sobretudo na Igreja de Lisboa que, em troca do grande esforço feito para a organizar e acolher, receberá novas energias para prosseguir o novo caminho, para lançar de novo as redes com paixão apostólica. Os jovens em Portugal já são uma presença vital, e agora, depois desta “transfusão” recebida das Igrejas de todo o mundo, tornar-se-ão ainda mais. E muitos jovens, no regresso, passaram por Roma, estou a vê-los também aqui, há alguns que participaram nesta Jornada. Ei-los! Onde estão os jovens há barulho, sabem fazer isto bem!

Enquanto na Ucrânia e noutros lugares do mundo há combates, e enquanto em certos salões escondidos se planeia a guerra – isto é terrível, planear a guerra! – a JMJ mostrou a todos que outro mundo é possível: um mundo de irmãos e irmãs, onde as bandeiras de todos os povos flutuam juntas, lado a lado, sem ódio, sem medo, sem fechamentos, sem armas! A mensagem dos jovens foi clara: será ouvida pelos “grandes da terra”? Pergunto-me, ouvirão este entusiasmo juvenil que deseja paz? É uma parábola para o nosso tempo, e ainda hoje Jesus diz: «Quem tem ouvidos, ouça! Quem tem olhos, veja!». Esperemos que todo o mundo escute esta Jornada da Juventude e olhe para esta beleza dos jovens indo em frente.

Expresso novamente a minha gratidão a Portugal, a Lisboa, ao Presidente da República, que esteve presente em todas as celebrações, e às demais Autoridades civis; ao Patriarca de Lisboa – que trabalhou muito bem! – ao Presidente da Conferência Episcopal e ao Bispo coordenador da Jornada mundial da juventude, a todos os colaboradores e voluntários. Pensai que os voluntários – encontrei-me com eles no último dia, antes de voltar – eram 25 mil: esta jornada teve 25 mil voluntários! Obrigado a todos! Por intercessão da Virgem Maria, Senhor abençoe os jovens do mundo inteiro e abençoe o povo português. Peçamos juntos a Nossa Senhora, todos juntos, para que Ela abençoe o povo português.»

AUDIÊNCIA GERAL
Sala Paulo VI Quarta-feira, 9 de agosto de 2023

Um padre ainda novo, que apenas foi ordenado no final de Maio, em Roma – Jorge Oliveira – editou uma colectânea gira (em anexo // segue como 3º anexo) sobre o papado de Francisco e sobre as Jornadas. Está organizada por temas e inclui um leque amplo de Assuntos, que dão a conhecer facetas interessantes e menos badaladas do Papa argentino.   

https://www.dropbox.com/t/z9LSh4IVQHLmd76h

Nestas Jornadas abençoadas, Francisco pediu uma Igreja aberta a todos, todos, todos (que não equivale a ‘tudo, tudo, tudo’), por uma Europa respeitadora da sua herança judaico-cristã e implorou pela paz: «Muitos de vós vão em peregrinação a Jasna Góra (Polónia) e a outros santuários marianos, por isso confio-vos um desejo que trago no coração: o desejo de paz no mundo (…). Rezai por este dom inestimável, especialmente pela amada e atormentada Ucrânia.» Durante o encontro com peregrinos ucranianos sintetizou o objectivo das JMJ para todos os participantes, na senda do que sonhara o Papa S.João Paulo II, quando as lançou, em 1986: «não é uma viagem de férias, uma viagem turística, mas um encontro com Cristo», especialmente evidente pela coragem e pelo esforço que implicara a deslocação daquele grupo e de vários outros, atingidos pela Guerra, pela  perseguição religiosa e pela extrema pobreza. Foi impressionante saber que todos os países tiveram participantes, com a pequena excepção das Maldivas. 

O Papa partilhou ainda o alcance da oração a irmanar-nos como membros da grande família humana: «A oração ilumina os meus olhos para saber olhar os outros como Deus os vê, para amar os outros como Ele os ama. Em Seu nome, venho até vós na alegria de partilhar convosco o Evangelho da esperança e da paz.»

Na sua visita a Fátima, para o que definiu como «um encontro na casa da Mãe», deixou esta mensagem: «Formando nós um só coração e uma só alma, entregar-vos-ei, todos, a Nossa Senhora para segredar a cada um: 'o meu Imaculado Coração será o teu refúgio e o caminho que te conduzirá até Deus'. (…) A oração ilumina os meus olhos para saber olhar os outros como Deus os vê, para amar os outros como Ele os ama. Em Seu nome, venho até vós na alegria de partilhar convosco o Evangelho da esperança e da paz.» Aliás, foram umas Jornadas marcadas por uma forte presença mariana e as mães fazem sempre a diferença...

Quem teve o privilégio de acompanhar as JMJ, confirmou que quando se desperta a presença de Deus Pai no coração humano, o sentido da fraternidade torna-se palpável: «(…) a JMJ mostrou a todos que um outro mundo é possível: um mundo de irmãos e irmãs» pois o Pai Comum mostra-nos os outros como irmãos! Esse foi dos principais dons do Papa, ao trazer a Paternidade do Céu aos corações de um milhão e meio de gente de boa vontade e de fé (a maioria), permitindo-nos reconhecer os outros como o nosso próximo. Que JMJ memoráveis!

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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Letra da versão internacional do hino, composta por João Paulo Vaz, Matilde Trocado, Hugo Gonçalves (Pe).; música de Pedro Ferreira e arranjos de Pedro Ferreira

«HÁ PRESSA NO AR

From far and wide to gather in this place 
We spread our wings and here we are, 
And with Mary proclaiming our Yes 
We seek to serve and follow the will 
Of the Lord, our Father
Chiamati ad essere come Cristo Gesù,
Vogliamo dare, diventare,
Docili al sì, essere come Maria.

CHORUS: 
Todos vão ouvir a nossa voz,
Levantemos braços, há pressa no ar.
Jesus vive e não nos deixa sós:
Não mais deixaremos de amar.

Tú que te buscas saber quién eres 
parte a descubrir, ven a ver lo que vi.
Ven con nosotros a mirar más allá,
de lo que haces y que no te deja
reír y amar.
Oublie le passé, ne dis pas non.
Écoute donc ton coeur,
Et pars sans peur sur cette mission.

[Chorus]
È stata Maria ad accogliere per prima
La grande sorpresa della vita per sempre.
Fiduciosa e semplice, volle ricevere
il grande mistero di un Dio che è
Per te e per me
No puedo callar, no puedo dejar
de cantar: “Mi Señor,
cuenta conmigo, ¡no más callaré!”

[Chorus]
Sans aucun doute sur sa mission, 
Si jeune, Marie quitte promptement
Sa maison et part dans les montagnes
Voir Elisabeth et trouve immédiatement
Salutation, communion.
Le fruit est béni, c'est mon Seigneur!
And I want to hear: You trusted in my word and happiness
is yours!

[Chorus]» 



15 agosto 2023

Solenidade da Assunção da Virgem Santa Maria

EVANGELHO - Lc 1,39-56
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas

Naqueles dias,
Maria pôs-se a caminho
e dirigiu-se apressadamente para a montanha,
em direcção a uma cidade de Judá.
Entrou em casa de Zacarias e saudou Isabel.
Quando Isabel ouviu a saudação de Maria,
o menino exultou-lhe no seio.
Isabel ficou cheia do Espírito Santo
e exclamou em alta voz:
«Bendita és tu entre as mulheres
e bendito é o fruto do teu ventre.
Donde me é dado
que venha ter comigo a Mãe do meu Senhor?
Na verdade, logo que chegou aos meus ouvidos
a voz da tua saudação,
o menino exultou de alegria no meu seio.
Bem-aventurada aquela que acreditou
no cumprimento de tudo quanto lhe foi dito
da parte do Senhor».
Maria disse então:
«A minha alma glorifica o Senhor
e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador,
porque pôs os olhos na humildade da sua serva:
de hoje em diante me chamarão bem-aventurada
todas as gerações.
O Todo-Poderoso fez em mim maravilhas:
Santo é o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração em geração
sobre aqueles que O temem.
Manifestou o poder do seu braço
e dispersou os soberbos.
Derrubou os poderosos de seus tronos
e exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens
e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu a Israel, seu servo,
lembrado da sua misericórdia,
como tinha prometido a nossos pais,
a Abraão e à sua descendência para sempre».

Maria ficou junto de Isabel cerca de três meses 
e depois regressou a sua casa. 

14 agosto 2023

Ira *

Alberto sempre fora distraído – na escola, na faculdade, no serviço militar, na empresa, em casa. Esquecia-se das aulas, perdia comboios e a espingarda, saltava compromissos e prazos de relatórios. Salvava-o a Francine, uma secretária dedicada e atenta cuja mente funcionava como um lembrete de agenda electrónica.

Paralelamente a esta característica desenvolvera um fetiche: o sexo angariado através dos anúncios dos jornais. Alberto, não sendo vaidoso, gabava-se, no entanto, de um controlo de qualidade preventivo sem falhas. Conhecia os verdadeiros atributos das raparigas através do fraseado do anúncio, sabia onde lhe venderiam gato por lebre, reconhecia virtuosismos escondidos atrás de palavras simples e aparentemente transparentes, conhecia os códigos de texto que revelavam fantasias de ir ao céu.

A noite tinha-se posto mansa e quente naquele Agosto lisboeta. Alberto tinha consultado os jornais e na véspera, com uma lua cheia que lhe entrava pela sala dentro, decidira contratar a Heloísa, uma moçambicana licenciada em relações internacionais há pouco mais de seis meses, com um livro de recibos verdes com uma virgindade que ela já não tinha e o nome inscrito no centro de emprego. Chamara-lhe à atenção a fotografia sensual, ligeiramente diferente das habituais que prenunciavam um erotismo barato regado a espumante à temperatura ambiente.

Alberto convidara-a a entrar e, como era costume, oferecera uma taça de champanhe, que Heloísa, no seu corpo bem tratado de mulher de vinte e poucos anos, aceitara de bom grado. Passava pouco das dez da noite quando ambos se dirigiram para o quarto onde já ardiam velas, e se ouvia o som constante e gravado de uma fonte que brota água num murmúrio da natureza.

Trocaram um beijo longo e húmido, carregado daquela ansiedade de quem beija pela primeira vez uma mulher desconhecida, porque a Alberto não lhe afligia a natureza comercial do encontro. Era uma boca nova, uns lábios entreabertos que o recebiam com as cores de África, os sons de África, os ritmos de África, e isso era o bastante para lhe provocar um ligeiríssimo aumento da frequência a que batia o seu coração – uma batida baixa e compassada, porque Alberto tinha sido um maratonista promissor na agremiação desportiva onde crescera.

Alguns minutos depois, com a lentidão de quem deseja que o tempo se arraste na eternidade de uma noite, a camisa de Heloísa caía no chão. O ex-corredor ainda só estava nos dez mil metros e o fôlego não lhe faltaria. O resto da roupa que separava Alberto da nudez africana cairia a seguir, sem ruído, sem perturbação - e sem pressa. A segunda contraente daquela noite onde se trocaria prazer por notas estava agora nua, integralmente nua, e Alberto tinha passado os vinte e cinco mil metros. O aumento do ritmo cardíaco era pouquíssimo, tão diminuto que Heloísa não dera por isso. És um atleta, diria Alberto de si para si, como quem se motiva à passagem difícil dos trinta quilómetros.

Nas duas horas seguintes o casal manteve a mesma passada, porque o primeiro contraente assim o desejou. Tudo fluiu num vagar sensual e calmo, como um sol que beija o Índico enquanto se põe no fio do horizonte moçambicano. O maratonista chegava ao fim, repleto de um orgulho vencedor, pronto para dar uma última volta à pista antes de receber a coroa de flores de uma multidão ululante.

O que te pareceu, Heloísa? Gostarias de voltar outro dia?

A moçambicana olhou-o nos olhos, deixando que os dele percorressem o seu corpo à procura das memórias, dos vestígios, dos sons e dos cheiros.

Sabe Dr. Alberto... O senhor deve ser muito distraído. Não sei se percebeu no anúncio que eu sou masoquista – gosto de alguma violência, de gritos, de agitação. O meu gozo atinge-se na cólera, na ira de quem me contrata. Mas o senhor deve ser católico – e a ira é um pecado mortal, não é?

JdB

* publicado originalmente a 17 de Maio de 2010

13 agosto 2023

XIX Domingo do Tempo Comum

 EVANGELHO - Mt 14,22-33

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Depois de ter saciado a fome à multidão,
Jesus obrigou os discípulos a subir para o barco
e a esperá-l'O na outra margem,
enquanto Ele despedia a multidão.
Logo que a despediu,
subiu a um monte, para orar a sós.
Ao cair da tarde, estava ali sozinho.
O barco ia já no meio do mar,
açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário.
Na quarta vigília da noite,
Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar.
Os discípulos, vendo-O a caminhar sobre o mar,
assustaram-se, pensando que fosse um fantasma.
E gritaram cheios de medo.
Mas logo Jesus lhes dirigiu a palavra, dizendo:
«Tende confiança. Sou Eu. Não temais».
Respondeu-Lhe Pedro: «Se és Tu, Senhor,
manda-me ir ter contigo sobre as águas».
«Vem!» - disse Jesus.
Então, Pedro desceu do barco e caminhou sobre as águas,
para ir ter com Jesus.
Mas, sentindo a violência do vento e começando a afundar-se,
gritou: «Salva-me, Senhor!»
Jesus estendeu-lhe logo a mão e segurou-o.
Depois disse-lhe:
«Homem de pouca fé, porque duvidaste?»
Logo que saíram para o barco, o ventou amainou.
Então, os que estavam no barco prostraram-se diante de Jesus,
e disseram-Lhe:
«Tu és verdadeiramente o Filho de Deus».

10 agosto 2023

Mário Cesariny de Vasconcelos, nos 100 anos do seu nascimento

Pastelaria

Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tanta maneira de compor uma estante!

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora - ah, lá fora! - rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra

Mário Cesariny, in 'Discurso Sobre a Reabilitação do Real Quotidiano'

08 agosto 2023

A JMJ, o Papa e a Acreditar


Fruto de um golpe de sorte, de uma grande credibilidade de que gozamos e ainda, mas não menos importante, daquilo para que existimos, a Acreditar foi convidada para um encontro com o Papa no Centro Paroquial de S. Vicente de Paulo, uma obra fantástica liderada pelo cónego Francisco Crespo. Comigo, como presidente da instituição, iam 25 pessoas, entre pais / mães, doentes e sobreviventes. Enquanto católico, este encontro foi uma benção para mim e, estou certo, para todos aqueles que fui acompanhar, para quem este encontro foi um motivo de alegria e alento para a jornada que vão fazendo com os seus filhos doentes. Eis o meu breve discurso, cuja "construção" teve uma intervenção decisiva de membros da equipa da Acreditar:

"Santo Padre, 

Somos um grupo de crianças e jovens com cancro, de crianças e jovens que o ultrapassaram, e também de pais. Em conjunto formamos a Acreditar que há trinta anos fomenta a esperança na cura e tenta minorar o sofrimento durante os tratamentos, na sobrevivência e nas famílias cujos filhos não sobrevivem. 

Damos apoio emocional, psicológico, material e escolar, e acolhemos nas nossas Casas quem vive longe do hospital. A nossa missão é estar com todas as crianças e jovens, procurando que o cancro nunca os defina e que a evolução da cura e a melhor qualidade de vida sejam uma realidade. Sabemos que nos fortalecemos nas vidas partilhadas e na defesa dos direitos, por isso criamos elos entre os sobreviventes, doentes e pais para que, com esperança, nunca se sintam sós. 

Gracias, Santo Padre, por tener los niños com cancer y sus famílias en su corazón y en sus oraciones."


“Queridos irmãos e irmãs, bom dia! 

Agradeço ao pároco as suas palavras, e saúdo a todos vós, em particular aos amigos do Centro Paroquial da Serafina, da Casa Família Ajuda de Berço e da Associação Acreditar. E agradeço as vossas palavras, que mostraram o trabalho que se faz. Obrigado. É lindo estarmos aqui juntos, enquanto, no contexto da Jornada Mundial da Juventude, olhamos para a Virgem Maria que Se levanta e vai ajudar Isabel, sua parente idosa. De facto, a caridade é a origem e a meta do caminho cristão, e a vossa presença, realidade concreta de ‘amor em ação’, ajuda-nos a não esquecer a rota, o sentido daquilo que fazemos. Obrigado pelos vossos testemunhos, dos quais quero destacar três aspetos: fazer juntos o bem, agir no concreto — não só com ideias, mas concretamente — e estar próximo dos mais frágeis.

Primeiro, fazer juntos o bem. ‘Juntos’ é a palavra-chave, que ouvi repetir muitas vezes nas vossas intervenções. Viver, ajudar e amar juntos: jovens e adultos, sãos e doentes… juntos. O João disse-nos uma coisa importante: é preciso não se deixar ‘definir’ pela doença, mas fazer dela parte viva do contributo que prestamos ao conjunto, à comunidade. É verdade! Não devemos deixar-nos ‘definir’ pela doença ou pelos problemas, porque não somos uma doença nem um problema. Cada um de nós é um dom, um dom único com os seus limites, um dom precioso e sagrado para Deus, para a comunidade cristã e para a comunidade humana. E, assim como somos, enriquecemos o conjunto e deixamo-nos enriquecer pelo conjunto!

(...)"

Para um católico, estar com o Papa é uma alegria indizível. Acompanhar estes pais, estas mães, algumas crianças doentes que foram connosco é, passe a ligeireza da expressão, a cereja em cima do bolo. É imaginar-lhe o boost de alento, de força, de esperança. Imagino o quanto pode valer um encontro destes; sei a importância de um encontro destes para o reforço da fé em dias melhores. 

Que estes 25 que foram comigo sejam o lugar geométrico de toda a comunidade da oncologia pediátrica e daqueles que não puderam ir porque era impossível levar todos. E que esta Jornada Mundial da Juventude dê alegria e esperança a quem percorre um caminho cheio de espinhos.

JdB 


07 agosto 2023

Poemas dos dias que correm

JMJ (fotografia tirada da net, desconheço o autor)

PELO SONHO É QUE VAMOS

Pelo sonho é que vamos,
Comovidos e mudos.
Chegamos? Não chegamos?
Haja ou não frutos,
Pelo Sonho é que vamos.

Basta a fé no que temos.
Basta a esperança naquilo
Que talvez não teremos.
Basta que a alma demos,
Com a mesma alegria,
Ao que desconhecemos
E ao que é do dia-a-dia.

Chegamos? Não chegamos?
-Partimos. Vamos. Somos.

Sebastião da Gama.
(1924 - 1952)

06 agosto 2023

XVIII Domingo do Tempo Comum (Festa da transfiguração do Senhor)

 EVANGELHO – Mt 17, 1-9

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus

Naquele tempo,
Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João seu irmão
e levou-os, em particular, a um alto monte
e transfigurou-Se diante deles:
o seu rosto ficou resplandecente como o sol
e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz.
E apareceram Moisés e Elias a falar com Ele.
Pedro disse a Jesus:
«Senhor, como é bom estarmos aqui!
Se quiseres, farei aqui três tendas:
uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias».
Ainda ele falava,
quando uma nuvem luminosa os cobriu com a sua sombra
e da nuvem uma voz dizia:
«Este é o meu Filho muito amado,
no qual pus toda a minha complacência.
Escutai-O».
Ao ouvirem estas palavras,
os discípulos caíram de rosto por terra e assustaram-se muito.
Então Jesus aproximou-se e, tocando-os, disse:
«Levantai-vos e não temais».
Erguendo os olhos, eles não viram mais ninguém, senão Jesus.
Ao descerem do monte, Jesus deu-lhes esta ordem:
«Não conteis a ninguém esta visão,
até o Filho do homem ressuscitar dos mortos».

04 agosto 2023

Duas Últimas

Um momento de nostalgia argentina numa singela homenagem ao Papa, que me parece muito cansado. Nos intervalos - talvez, afinal nos momentos chave - revela uma alegria e um entusiasmo grandes para a idade. São os momentos não de música ou espectáculo cénico, mas quando está com as pessoas mais comuns, quando se dirige aos jovens e os incita a serem melhores, a serem diferentes. Um pouco como se nos dissesse o que é fundamental nesta meia dúzia de dias.

JdB

03 agosto 2023

Textos dos dias que correm

O Defeito do Jovem é o Velho

O defeito do jovem é o velho. Não sei se me entendem. É o velho, ou pluralizando: - são os velhos que, no momento, em toda parte e em qualquer idioma, corrompem os jovens. Antigamente, a velhice era de uma cerimônia, de um pudor, de uma correção admiráveis. Há todo um folclore sobre os nostálgicos, espectrais velhinhos da porta da Colombo. Mas não fazem mal a ninguém. Apenas olham as meninas, e com que ternura infeliz e antiga.

Repito: — não falo dos velhinhos da porta da Colombo. Acho até que o Departamento de Turismo devia preservá-los. Falo dos que erguem a cínica bandeira da imaturidade. Nem se pense que a idealização da imaturidade começa nos jornais, nas universidades, nas rádios, nas TVs, nos sermões. Não. Começa em casa.

O moço começa a ter razão na altura da primeira chupeta e quase no berçário. Eu gostaria de saber qual teria sido o primeiro pai, ou mãe, ou tia, ou avó, ou cunhada, que inaugurou o Poder Jovem. O Poder Jovem é, portanto, anterior a si mesmo. Começa a exercitar a sua ferocidade muito antes, ainda na infância profunda. Há Por aí toda uma geração de pequeninos possessos. São garotinhos de quatro, cinco anos, de uma intensa malignidade. Um dia, a família achou que a criança está certa quando mete a mão na cara da mãe, do pai, tia ou avó.

Outro dia, eu próprio vi uma cena admirável. Uma de cinco anos foi impedida de fazer não sei o quê. Como uma pequenina fera, investiu contra o pai, às caneladas. Desatinada, a mãe vai apanhar a menina e a carrega no colo. E, então, acontece isto: — a filha mete-lhe a mão na cara. Sempre digo que precisamos tirar o som da bofetada. Uma bofetada muda seria menos ultrajante. Mas a bofetada da garotinha estalou na cara materna (Até hoje, não entendo como aquele pingo de gente foi capaz de bater com uma violência adulta.)

Fiquei olhando. Mas o episódio familiar não parou aí. A mãe, agarrada à filhinha, soluçava: — «Coitadinha! Coitadinha!» Tias se arremessavam. A menina passou de colo em colo. Numa das vezes, chutou o seio de uma tia; e meteu a mão na cara da seguinte; e na imediata, cuspiu na boca. Foi um horror.

Eis o que eu queria dizer: — a origem do Poder Jovem está numa bofetada consentida, de filha em mãe, ou de filho em pai. Hoje, o adolescente leva uma sensação de onipotência. O homem maduro tem, por vezes, um olhar estrábico de pavor. Sim, o homem maduro traz o medo no coração. Se alguém gritar — «Olha o rapa!» — uma dona de casa ou pai de família sairá correndo e pulando os muros da covardia.

O jovem, não e nunca. Vejam um rapaz chegando a qualquer lugar. Entra e olha. Luminoso descaro. Cada gesto forte extroverte toda uma ilusão de onipotência. Sente-se nele uma coragem irresponsável e brutal. Nenhum medo, nenhuma dúvida, nenhuma interrogação. É um prodigioso ser, feito de certezas.

Mas eis o que importa repetir: - o jovem não tem culpa nenhuma. Vítima de um processo de desumanização, ele é vítima também dos velhos. Numa das minhas «Confissões», referi um episódio que considero magistral. A coisa se passou com o Padre Ávila. Certo rapaz, se não me engano aluno da PUC, cometeu uma vileza atroz com um amigo. O Padre Ávila (espírito altamente compreensivo) foi interpelá-lo. Perguntou-lhe: - «Você não acha isso uma deslealdade?» O adolescente pergunta: - «É preciso ser leal?» O bom sacerdote perdeu noites sem saber direito o que aquilo significava. E nem lhe ocorreu que, por trás do moço, explicando essa e outras deslealdades, estava um velho conhecido nosso - o pulha.

Ora, o ser humano não anda de quatro, nem está no bosque urrando à lua. E por quê? Resposta: — porque somos responsáveis. É a responsabilidade o nosso mistério e a nossa salvação. Os velhos começam por suprimir os limites morais da juventude. O nosso Padre Avila apreciou a canalhice do aluno ou conhecido, sei lá, com um espanto muito leve, quase imperceptível. Se fosse um quarentão, havia de se arremessar para a janela, aos berros de - «Aqui del-Rey! Aqui del-Rey!» E chamaria a radiopatrulha. Ou ele próprio, na base da velha moral, daria ao pulha umas bengaladas saudabilíssimas.

Portanto, são os velhos, sacerdotes, psicólogos, professores, artistas, sociólogos que dão total cobertura à imaturidade. Os jovens são o certo, o direito, o histórico, o infalível. Um amigo meu, e velho como eu, dizia-me: — «A juventude sabe mais do que nós.» Outro exemplo: o dr. Alceu. É um sábio católico. Não há dúvida. Ninguém de boa-fé, poderá negar-lhe a enorme autoridade moral.

Quando o leio, fico imaginando: - «Se eu fosse jovem, depois sairia por aí decapitando velhinhas como um Raskolnikov.» Até hoje, não sei bem que ideia faz da juventude o nosso Tristão de Athayde. Ou está esquecido de que o jovem participa da nossa miserável, infeliz e, tantas vezes, abjeta condição humana? O jovem é, permita-me o mestre lembrar-lhe, o ser humano com suas fragilidades, os seus méritos, as suas tentações e com a inevitável, obrigatória dimensão do canalha. O moço tem os defeitos de qualquer um e mais este: — a imaturidade. Eu sei que o dr. Alceu anda fazendo uma promoção da imaturidade como se esta fosse sabonete ou um refrigerante. E o nosso Tristão, como o Carlinhos de Oliveira, inverte os papéis: — a maturidade é que passa a ser uma deficiência humilhante.

Num dos últimos artigos, conta ele que esteve em Paris e foi testemunha auditiva e ocular da «popularidade mínima» de De Gaulle. Fala de «poucos aplausos» e «algumas vaias». Eu não entendo e repito: não entendo. Ah, o bom Alceu, o ótimo, o excelente Alceu. Não deve acreditar na vaia. Aqui, no nosso estádio, vaia-se até minuto de silêncio. Mas quererá ele insinuar que o povo francês tem ódio ao herói? Talvez. Se fosse Laval, quem sabe se não seria carregado na bandeja, e de maçã na boca, como um leitão assado?

(Título original da crónica: «A Bofetada»)

Nelson Rodrigues, in 'O Homem Fatal'

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