22 outubro 2025

Vai um gin do Peter’s ?

O BARROCO SERÁ UMA OVERDOSE?

Numa curta-metragem, um especialista de arte e antigo leiloeiro, que depois foi ordenado e é hoje sacerdote na Catedral de Westminster, explica-nos o sentido e a origem do barroco, que provém de um termo português. Nesta gravação, o Pe. Patrick van der Vorst, nascido em Bruges, na Bélgica, baseia-se em duas obras memoráveis de um conterrâneo seu dos séculos XVI-XVII – Peter Paul Rubens (1577-1640). Ambas pertencem ao acervo do museu de Londres ‘Wallace Collection’ e ambas estão impregnadas da tensão e do dinamismo que esta escola introduziu na arte, conferindo-lhe uma vivacidade cinéfila. 

Numa das telas, retrata-se o momento emblemático em que «Cristo entrega as Chaves a Pedro» (c. 1616): uma negra relativa às coisas da terra e outra dourada para franquear o acesso ao Céu. 


Na outra, mostra-se a «Sagrada Família com Santa Isabel e S. João Baptista» (1614) como num instantâneo familiar, com poses naturais carregadas de movimento e de vitalidade. Embora ainda de tenra idade, os dois primos já revelam traços claros de personalidade e as marcas da sua especial vocação na História. 

A ligação profissional do Pe. van der Vorst às artes e a sua facilidade de comunicação tornam estas visitas guiadas numa descoberta do universo algo encriptado da pintura. Qual detetive dos incontáveis pormenores que recheiam cada tela, desfia-nos a narrativa densa que se esconde nas obras de Rubens. A pergunta com que nos explica o barroco é sumamente interpelativa: «Did Baroque go too far?». O termo tem origem na língua portuguesa e aplicava-se às pérolas com irregularidades. Nos séculos XVII e XVIII, os críticos de arte usaram-no para desprestigiar o novo estilo, que consideravam excessivamente ornamentado, ostensivo e teatral, num desvio imperdoável à harmonia clássica que caracterizava a arte do Renascimento. Demorou até o estilo barroco ser reconhecido e apreciado pela capacidade de expor o dramatismo da vida, os claros-escuros da existência, os paradoxos da realidade. No fundo, tivera a audácia de pintar o pulsar das tensões humanas e as perspectivas multifacetadas da realidade:   


Um escultor português, amigo de família, contava que tinha descoberto e começado a apreciar o barroco, em Roma, na belíssima Basílica de S. João de Latrão. Teve a sorte de entrar, quando decorria uma celebração, onde um coro magnífico entoava cânticos gregorianos, enchendo o templo de beleza. Segundo aquele escultor, os dourados que revestiam as paredes e o tecto ganharam uma luminosidade festiva, mas não excessiva, arrebatadora, mas não ofuscante. Naquele conjunto sumptuoso, a harmonia não se perdera; apenas mudara de escala e tornara-se mais corpórea, fazendo-o sentir-se imerso no brilho envolvente que jorrava em rios luminosos por toda a Basílica. Encontrara uma harmonia nova, mais cintilante e fogosa, que lhe enchera a alma. Aquele testemunho confirmou-me como em Itália a arte parece encontrar um contexto muito favorável.    

Maria Zarco
(a preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)

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